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Crónica de Jogo

Sporting - SC Braga. No primeiro dia depois de Porro, brilharam a omnipresença de Morita e a ginga de Edwards na equipa "bipolar"

Na ressaca da derrota na final da Taça da Liga, o Sporting goleou (5-0) o Sporting de Braga, reduzindo para cinco pontos a diferença para os minhotos, que são ultrapassados na tabela pelo FC Porto, que sobe ao segundo lugar. Num jogo em os bracarenses jogaram com 10 desde os 49', Morita, com um bis, e Edwards, com um golo e muitos desequilíbrios criados, destacaram-se

Pedro Barata

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

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A enorme distância que separa Londres, onde nasceu Marcus Edwards, de Osaka, local onde Hidemasa Morita veio ao mundo, é quase tão grande como as diferenças entre as habituais expressões faciais do inglês e do japonês. O primeiro é de ar introvertido, quase enigmático, ideia reforçada quando se constata que é um homem de poucas palavras. O segundo é dono de um sorriso rasgado, contagiante, parecendo sempre de bem com tudo e com todos, agradecido e feliz por estar num campo de futebol.

Estes dois rapazes, naturais de terras que distam meio planeta uma da outra e que aparentam personalidades tão díspares, unem-se no relvado, como tanta gente tão diferente faz diariamente, aproveitando-se desse meio de comunicação universal, dessa língua franca em formato redondo que é a bola. E, vestidos de verde e branco, puseram um sorriso na cara de um clube que vinha de dias conturbados que reforçavam a tendência de uma temporada de mais sombras que luzes.

No seguimento da personalidade “bipolar” que Rúben Amorim diz que a sua equipa tem, o Sporting repôs-se da derrota na final da Taça da Liga e da tristeza de ver Pedro Porro partir — a qual será amenizada olhando ao bem que os milhões deixados pelo espanhol farão às contas da entidade de Alvalade — com um expressivo triunfo (5-0) frente ao Sporting de Braga. Contra uns minhotos que chegavam a Lisboa sonhando com a luta pelo título, as excelentes exibições de Morita e Edwards deram a mote para um triunfo que se tornou quase inevitável nos cinco minutos iniciais do segundo tempo, quando o japonês fez o 2-0 e, logo a seguir, Niakaté foi expulso.

A dimensão da festa que, momentaneamente, tira algumas nuvens de Alvalade mede-se pelos aplausos e “olés” que mereceram várias ações de Ricardo Esgaio, justamente o substituto de Pedro Porro no onze. Como se todas as preocupações que a saída do espanhol provoca fossem dissipadas por uma noite, os leões embalaram para uma partida de felicidade de mão-cheia, vivida entre receções orientadas de Morita e dribles de Edwards.

Edwards chuta para o 3-0

Edwards chuta para o 3-0

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Apesar do grande crescimento que os últimos 20 anos trouxeram ao Sporting de Braga, não é comum um duelo entre arsenalistas e leões no qual os mais legítimos aspirantes ao títulos venham do Minho. Mas eram essas as bases nas quais foi lançada a partida.

Privado de Ricardo Horta pela segunda jornada, Artur Jorge optou por uma estratégia para tentar evitar repetição da goleada da Taça da Liga. Mas a escolha saiu furada e o cenário repetiu-se.

O Sporting de Braga alterou a sua estrutura habitual, espelhando a disposição tática do Sporting, com três centrais, dois alas, Racic e Al Musrati no meio-campo e Iuri Medeiros, Abel Ruiz e Banza na frente. No entanto, os visitantes passaram boa parte do duelo perseguindo sombras, desconfortáveis e inadaptados, como se não sabendo vestir o vestido que o seu técnico escolheu para a ocasião.

Em diversas das noites de desgosto da temporada, as coisas começaram a correr mal para o Sporting quando a eficácia inicial não foi a melhor. Ora, este triunfo começou a ser escrito invertendo essa tendência, com um golo na primeira oportunidade. Aos 9', após canto da esquerda, St. Juste — que viria a fazer o encontro inteiro apenas pela segunda vez desde que chegou a Portugal — assistiu Morita para o 1-0. E as bolas paradas, uma arma clássica dos melhores tempos de Amorim, estavam de volta ao arsenal verde e branco.

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A grande novidade na equipa titular foi a inclusão de Youssef Chermiti, titular perante o castigo de Paulinho. O avançado de 18 anos fez uma exibição que evidenciou o tipo de jogador que é: altamente disponível para o combate físico, impetuoso, ameaçador do espaço nas costas da linha defensiva adversária.

Ganhou bolas no meio-campo, combinou com os companheiros, ameaçou o golo, assistiu Morita de calcanhar para o 2-0. Se, nalguns momentos, terá faltado presença no eixo ofensivo do Sporting, Chermiti poderá ser uma arma para colmatar essa lacuna.

A primeira parte foi um monólogo local. Os leões remataram 11 vezes contra duas, fazendo-o sete vezes dentro da área rival. Se o 1-0 ao descanso poderia ser magro, os cinco minutos iniciais do segundo tempo haveriam de resolver a questão.

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Gualter Fatia/Getty

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Gualter Fatia

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PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Logo aos 46', num lance confuso que começa com uma falta sobre Niakaté na qual foi dada a lei da vantagem, Ugarte faz uma recuperação em zona subida perante Racic. Com o médio sérvio e o central francês caídos, Edwards conduziu a bola — um dos gestos mais repetidos da partida — e serviu Pote, que não conseguiu bater Matheus. O guardião e Al Musrati não tiraram a bola da zona de perigo e Chermiti viria a assistir Morita.

Instantes a seguir, Niakaté, protestando uma falta sobre si que foi assinalada, viu o segundo amarelo. Estávamos nos 49' e a noite do Sporting de Braga, com dois golos de desvantagem e menos um homem, parecia condenada à frustração.

A partir daqui, o Sporting divertiu-se. E fê-lo muito nas asas dos dois melhores em campo. Morita estava em todo o lado, recuperando, distribuindo e surgindo no último terço, com aquela intuição futebolística tão particular, uma sensibilidade que parece um atestado que evidencia que o jogo começa na cabeça e termina nos pés. Antes de ser substituído, o japonês roçou o terceiro golo.

O 3-0 viria dos pé de Marcus Edwards. O canhoto, feito projeto pessoal de Rúben Amorim, apostado em dar-lhe regularidade e competitivdade, chegou aos 10 golos na época. O lance em que bateu Matheus testemunhou muitas das suas virtudes: técnica para conduzir, ginga para ganhar espaço, suavidade a finalizar. Foi, também, uma ilustração de um dos maiores pecados do Sporting de Braga, cuja abordagem tática falhada levou a que o inglês tivesse quase sempre espaço para explorar as suas aventuras pessoais, dançando de bola no pé esquerdo.

Gualter Fatia/Getty

Rúben Amorim aproveitou para dar minutos a Tanlongo ou Fatawu, Trincão ou Arthur, enquanto Coates forçou um amarelo para falhar a deslocação ao Rio Ave e estar pronto para a receção ao FC Porto. Do outro lado, Pizzi voltava à I Liga, sendo recebido com os correspondentes assobios de Alvalade.

Já quando a noite era uma festa para os leões, Ricardo Esgaio era aplaudido por tudo e por nada, sob o olhar atento de Hector Bellerín, novo concorrente do português para a ala direita. Para espantar os males da saída de Pedro Porro, nada melhor que um serão de romance com o tantas vezes patinho-feio que substituiu o reforço do Tottenham.

Enquanto Chermiti não parava de batalhar, Matheus Reis fez o 4-0 num remate em arco, fazendo lembrar Arjen Robben. E Pedro Gonçalves fixou o 5-0 final, de penálti, já em tempo de descontos.

Da tristeza da Taça da Liga à felicidade de uma goleada contra o até aqui segundo classificado do campeonato, da perda de Porro ao entusiasta abraço a Ricardo Esgaio, do castigo de Paulinho à agressividade otimista de Chermiti. Não há um dia calmo em Alvalade, não há uma jornada sem algo noticiável, não há termo médio na equipa “bipolar”. O terceiro lugar da tabela, esse que permite lutar por estar na próxima Champions, passou a estar à distância de cinco pontos.