A enorme distância que separa Londres, onde nasceu Marcus Edwards, de Osaka, local onde Hidemasa Morita veio ao mundo, é quase tão grande como as diferenças entre as habituais expressões faciais do inglês e do japonês. O primeiro é de ar introvertido, quase enigmático, ideia reforçada quando se constata que é um homem de poucas palavras. O segundo é dono de um sorriso rasgado, contagiante, parecendo sempre de bem com tudo e com todos, agradecido e feliz por estar num campo de futebol.
Estes dois rapazes, naturais de terras que distam meio planeta uma da outra e que aparentam personalidades tão díspares, unem-se no relvado, como tanta gente tão diferente faz diariamente, aproveitando-se desse meio de comunicação universal, dessa língua franca em formato redondo que é a bola. E, vestidos de verde e branco, puseram um sorriso na cara de um clube que vinha de dias conturbados que reforçavam a tendência de uma temporada de mais sombras que luzes.
No seguimento da personalidade “bipolar” que Rúben Amorim diz que a sua equipa tem, o Sporting repôs-se da derrota na final da Taça da Liga e da tristeza de ver Pedro Porro partir — a qual será amenizada olhando ao bem que os milhões deixados pelo espanhol farão às contas da entidade de Alvalade — com um expressivo triunfo (5-0) frente ao Sporting de Braga. Contra uns minhotos que chegavam a Lisboa sonhando com a luta pelo título, as excelentes exibições de Morita e Edwards deram a mote para um triunfo que se tornou quase inevitável nos cinco minutos iniciais do segundo tempo, quando o japonês fez o 2-0 e, logo a seguir, Niakaté foi expulso.
A dimensão da festa que, momentaneamente, tira algumas nuvens de Alvalade mede-se pelos aplausos e “olés” que mereceram várias ações de Ricardo Esgaio, justamente o substituto de Pedro Porro no onze. Como se todas as preocupações que a saída do espanhol provoca fossem dissipadas por uma noite, os leões embalaram para uma partida de felicidade de mão-cheia, vivida entre receções orientadas de Morita e dribles de Edwards.
Edwards chuta para o 3-0
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Apesar do grande crescimento que os últimos 20 anos trouxeram ao Sporting de Braga, não é comum um duelo entre arsenalistas e leões no qual os mais legítimos aspirantes ao títulos venham do Minho. Mas eram essas as bases nas quais foi lançada a partida.
Privado de Ricardo Horta pela segunda jornada, Artur Jorge optou por uma estratégia para tentar evitar repetição da goleada da Taça da Liga. Mas a escolha saiu furada e o cenário repetiu-se.
O Sporting de Braga alterou a sua estrutura habitual, espelhando a disposição tática do Sporting, com três centrais, dois alas, Racic e Al Musrati no meio-campo e Iuri Medeiros, Abel Ruiz e Banza na frente. No entanto, os visitantes passaram boa parte do duelo perseguindo sombras, desconfortáveis e inadaptados, como se não sabendo vestir o vestido que o seu técnico escolheu para a ocasião.
Em diversas das noites de desgosto da temporada, as coisas começaram a correr mal para o Sporting quando a eficácia inicial não foi a melhor. Ora, este triunfo começou a ser escrito invertendo essa tendência, com um golo na primeira oportunidade. Aos 9', após canto da esquerda, St. Juste — que viria a fazer o encontro inteiro apenas pela segunda vez desde que chegou a Portugal — assistiu Morita para o 1-0. E as bolas paradas, uma arma clássica dos melhores tempos de Amorim, estavam de volta ao arsenal verde e branco.
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A grande novidade na equipa titular foi a inclusão de Youssef Chermiti, titular perante o castigo de Paulinho. O avançado de 18 anos fez uma exibição que evidenciou o tipo de jogador que é: altamente disponível para o combate físico, impetuoso, ameaçador do espaço nas costas da linha defensiva adversária.
Ganhou bolas no meio-campo, combinou com os companheiros, ameaçou o golo, assistiu Morita de calcanhar para o 2-0. Se, nalguns momentos, terá faltado presença no eixo ofensivo do Sporting, Chermiti poderá ser uma arma para colmatar essa lacuna.
A primeira parte foi um monólogo local. Os leões remataram 11 vezes contra duas, fazendo-o sete vezes dentro da área rival. Se o 1-0 ao descanso poderia ser magro, os cinco minutos iniciais do segundo tempo haveriam de resolver a questão.
Logo aos 46', num lance confuso que começa com uma falta sobre Niakaté na qual foi dada a lei da vantagem, Ugarte faz uma recuperação em zona subida perante Racic. Com o médio sérvio e o central francês caídos, Edwards conduziu a bola — um dos gestos mais repetidos da partida — e serviu Pote, que não conseguiu bater Matheus. O guardião e Al Musrati não tiraram a bola da zona de perigo e Chermiti viria a assistir Morita.
Instantes a seguir, Niakaté, protestando uma falta sobre si que foi assinalada, viu o segundo amarelo. Estávamos nos 49' e a noite do Sporting de Braga, com dois golos de desvantagem e menos um homem, parecia condenada à frustração.
A partir daqui, o Sporting divertiu-se. E fê-lo muito nas asas dos dois melhores em campo. Morita estava em todo o lado, recuperando, distribuindo e surgindo no último terço, com aquela intuição futebolística tão particular, uma sensibilidade que parece um atestado que evidencia que o jogo começa na cabeça e termina nos pés. Antes de ser substituído, o japonês roçou o terceiro golo.
O 3-0 viria dos pé de Marcus Edwards. O canhoto, feito projeto pessoal de Rúben Amorim, apostado em dar-lhe regularidade e competitivdade, chegou aos 10 golos na época. O lance em que bateu Matheus testemunhou muitas das suas virtudes: técnica para conduzir, ginga para ganhar espaço, suavidade a finalizar. Foi, também, uma ilustração de um dos maiores pecados do Sporting de Braga, cuja abordagem tática falhada levou a que o inglês tivesse quase sempre espaço para explorar as suas aventuras pessoais, dançando de bola no pé esquerdo.
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Rúben Amorim aproveitou para dar minutos a Tanlongo ou Fatawu, Trincão ou Arthur, enquanto Coates forçou um amarelo para falhar a deslocação ao Rio Ave e estar pronto para a receção ao FC Porto. Do outro lado, Pizzi voltava à I Liga, sendo recebido com os correspondentes assobios de Alvalade.
Já quando a noite era uma festa para os leões, Ricardo Esgaio era aplaudido por tudo e por nada, sob o olhar atento de Hector Bellerín, novo concorrente do português para a ala direita. Para espantar os males da saída de Pedro Porro, nada melhor que um serão de romance com o tantas vezes patinho-feio que substituiu o reforço do Tottenham.
Enquanto Chermiti não parava de batalhar, Matheus Reis fez o 4-0 num remate em arco, fazendo lembrar Arjen Robben. E Pedro Gonçalves fixou o 5-0 final, de penálti, já em tempo de descontos.
Da tristeza da Taça da Liga à felicidade de uma goleada contra o até aqui segundo classificado do campeonato, da perda de Porro ao entusiasta abraço a Ricardo Esgaio, do castigo de Paulinho à agressividade otimista de Chermiti. Não há um dia calmo em Alvalade, não há uma jornada sem algo noticiável, não há termo médio na equipa “bipolar”. O terceiro lugar da tabela, esse que permite lutar por estar na próxima Champions, passou a estar à distância de cinco pontos.