E os homens cumprimentaram-se mesmo, com toques cúmplices mas não demasiado calorosos ou tenros. Sérgio Conceição e Jorge Costa – futebolistas que jogavam com o coração na boca, nos olhos, nos braços, nas botas e no lugar do coração – foram companheiros no FC Porto e na seleção e esta noite, em Leiria, olharam-se nos olhos e exibiram a máquina que afinam secretamente todos os dias. O jogo foi dos bons (até que caiu) e o FC Porto, que ainda não tem qualquer Taça da Liga no museu, como lembrou Conceição, apurou-se para mais uma final depois de bater o Académico de Viseu (3-0), que não perdia há 20 jogos.
Nas últimas três décadas o Porto ganhou muitos troféus e, apesar de tantos campeonatos e de tantas demonstrações importantes de regularidade, é a forma como se apresenta nos jogos a eliminar que é quase sempre admirável. É por isso que esta Taça da Liga, em funcionamento desde 2007/08, é um mistério para os lados das Antas. Os portistas perderam todas as finais que disputaram em 2010, 2013, 2019 e 2020. À quinta será de vez? O rival de sábado será o Sporting, que ganhou quatro das últimas cinco edições do torneio.
Mesmo com essa carga na lembrança, Sérgio Conceição atacou a semifinal com um 11 diferente. Cláudio Ramos, como já havia sido anunciado pelo técnico, Gabriel Veron, Pepê e Danny Namaso foram titulares. Os primeiros minutos mostraram um FC Porto determinado. Ganhava muitos duelos, chegava com facilidade à frente. E o golo chegou logo aos 7’, por Eustáquio. A bola voou da direita, do pé de João Mário, que voltou a surgir em bom nível.
O espesso 4-3-3 do Académico de Viseu, que Conceição diz reconhecer no passado portista, passou a estado líquido e belo com a desvantagem, o que foi um evento bastante satisfatório para quem gosta de futebol. Igor Milioransa e Gauthier Ott, os senhores de negro que pisavam o carril esquerdo, transformaram-se numa sinfonia que estaria bem ouvir em qualquer lado. Andamento, coragem, detalhes técnicos sublimes e velocidade, deram tudo ao jogo. Famana Quizera, alma inquieta, procurou criar problemas à defesa rival, mas tecnicamente não teve um jogo fino.
Pepe, um homem que parece querer jogar ao sério com a eternidade, mandou uma bola ao poste. Depois Namaso, que já tivera uma chance na cara de Domen Gril, voltou a tentar. Arthur Chaves, no espaço de poucos minutos, fez dois cortes que podem marcar a carreira de um futebolista (fosse outra a cantiga no marcador…).
O Porto perdeu o espírito dominador. O Académico mordia à frente e cresceu, mostrou que sabe jogar futebol e que nada do que tem feito é um acaso. Há soluções para jogar a partir do guarda-redes, há velocidade na variação do jogo e na frente, mesmo sem ter feito um jogo especial, há André Clóvis, o melhor marcador da II Liga, muito físico e capaz de atacar os espaços. Ao intervalo, eram os adeptos do Académico que se faziam ouvir.

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Os campeões nacionais corrigiram posições e abordagens e griparam o jogo do adversario, que timidamente foi tentando manter-se vivo. O 1-0, no entanto, era curto para os dragões e era necessário procurar o comprimido do sossego, ou seja, o segundo golo. Otávio, um craque discreto que exerce o cargo de pantufas e que ia batendo a vigilância de Nduwarugira, Jonathan Toro e Soufiane Messeguem, ficou perto de receitar a calma. Namaso fez tudo bem pela direita e passou para o internacional português. Rafael Bandeira bloqueou o golo cantado e Toro evitou males maiores da ressaca.
Quando faltava pouco mais de meia hora, entraram Galeno e Bernardo Folha, filho de António, por Eustáquio e Gabriel Veron, que voltou a fazer o papel de anónimo. Cinco minutos depois, João Mário voltou a salpicar com açúcar a área dos homens de Viseu e Namaso aproveitou para assinar o 2-0.
O Académico de Viseu saía cada vez com menos qualidade e com menos frequência. O Porto apertou finalmente a torneira alheia. E o 3-0 chegou, aos 79’, depois de uma jogada tremenda de futebol, pela direita, pois claro (pela esquerda, Wendell vai revelando intermitências e dúvidas). Bernardo Folha, de 20 anos, até viu Gril roubar-lhe a alegria de fazer um golo com a camisola que o pai fazia, mas depois a bola, que era desvairadamente despachada pela defesa, voltou a chocar contra ele e entrou na baliza.
Já com Mehdi Taremi em campo, foi Gonçalo Borges, mais um jovem atrevido que quer ir ganhando espaço neste grupo, a tentar um golaço. A bola, que sai sempre mais encorajada e feliz das canhotas, saiu por cima.