“Lenda do futebol mundial e considerado um dos maiores jogadores de sempre.”
E depois o suposto silêncio, o som do silêncio, há minutos de silêncio que nem chegam a sê-lo, quem por cá fica rege-se pelo desrespeito honroso ao batismo dos sessenta segundos dedicados a quem parte, louvando a pessoa com o sonido das palmas das mãos a chocarem. Alvalade reencontra esse hábito, o solene aplauso tem a raridade de honrar a suposta duração da homenagem, é mesmo um minuto por António Maia, falecido sócio e técnico de manutenção do Sporting, e por Pelé, o Rei e mito que abandonou a sua existência terrena a meras horas do jogo.
O que Pelé foi não volta, mas o que jogou perdurará, não há como assim como não há uma alma em campo, nos bancos, nas bancadas, no sofá de casa que não saiba quem ele é, se os futebolistas se apaixonaram por isto de pontapear uma bola é porque o futebol se engrandeceu sem controlo na popularidade. Em grande parte e a certa altura, devido a Pelé, o primeiro dos sublimes jogadores com a carreira filmada para ser mostrada na televisão à qual a Liga segue piscando todos os olhos com jogos marcados para as 21h15 a meio da semana.
Os quinze ou vinte adeptos vindos de Paços de Ferreira, terra do clube sem derrotas e com dois pontos no campeonato, agradecerão, eles poucos e singelos e sentados no estádio a verem a sua frágil equipa a tramar-se na alvorada da partida, com uma jogada mal cortada pelos defesas que sobra para Nuno Santos, à esquerda, cruzar e Pedro Porro, com um penálti de cabeça, atirar não muito forte, nem por isso bem apontada, ao corpo de Jordi Martins. Logo aos 3’, o guarda-redes quase empurrou desastradamente a bola para a própria baliza.
Estendeu-se a passadeira verde para o desequilíbrio de valias ser agravado pelo desajeito de forças. Encheu-se o Sporting de uma versão recente de si próprio, mais ousado e arriscador, Pedro Gonçalves a ser um médio que era um 10 deixando o garoto Essugo na incumbência de ser o único a ficar atrás da linha da bola com os centrais e todos os restantes na frente. Decididos e estratégicos, punham-se em lugares para azucrinar o juízo dos adversários com dúvidas e obrigá-los a escolherem onde, e em quem fecharem os espaços. Com Pote nas entre linhas onde já Trincão e Edwards deambulavam, o Paços sofreu a muito sofrer.
As receções de gente em terra de ninguém, no lado cego de um adversário e a meio caminho entre esse e um outro que estava a ver, o Sporting provocava com passes pelo centro para depois acelerar a bola para fora. Era um jogo de atrações e engodos com o intuito de lançar alguém no ouro dos aráveis terrenos nas costas dos defesas. Foi lá que a ratice canhota de Marcus Edwards rematou duas vezes e a esperta de Paulinho também, antes e depois do inglês assistir ao 2-0 de Nuno Santos, fechando um simples contra-ataque ligado pela relva, e o português cabecear o 3-0 num cruzamento-banana de Porro.

MIGUEL A. LOPES/LUSA
O Sporting jogava com a leveza da confiança, aquele estado planador em que equipas, por vezes, levitam indefinidamente e em certos períodos, tão cheias da certeza com que tudo lhes parece sair que os jogadores se inflamam. A bola bate-lhes e entra, enganam-se e o passe sai, não fazem rápido mas a intenção tem sucesso na mesma. Tanta desenvoltura se via que no decorrer do terceiro minuto da segunda parte houve uma sequela quase com mesmo fim, Nuno Santos a cruzar e agora Pote a cabecear, mas ao lado da baliza.
Correndo em caça do que o vai atormentando, dos erros vistos e repetidos, o Paços de Ferreira tem uma linha defensiva lunar, com crateras múltiplas a lidarem com qualquer bola que a equipa não pressione no seu meio-campo e permita que o adversário a use com tempo e espaço. Têm o ainda fartíssimo futebol no debilitado corpo de Gaitán, há os truques nos habilidosos pés de Matchoi e o acerto passador do médio Holsgrove e eles chegam só para a equipa não passar das intenções, de ligar jogadas por vezes bonitas, muitas vezes inconsequentes e quase sempre atraiçoadas pela esponjosa forma com que defende a sua baliza.
Nesse repetido desacerto se foi recriando o Sporting in the zone, claramente com os jogadores a desfrutarem no ímpeto trazido de 18 golos nos quatro encontros encafuados durante a não pausa do Mundial, goleadas sem golos sofridos em que Rúben Amorim andou a limar as jogadas com apeadeiros no centro do campo, laboratoriar sequências de passe por aí para deixar jogadores de frente para a baliza e mais à frente no campo e recuperar estados de certos jogadores. Trincão já rende e é incisivo partido da esquerda, há conforto para Pote ser médio onde o espaço rareia e os mais engenhocas prosperam, em vez de médio a ver o jogo à sua frente.
E sobretudo há Paulinho, o amor-ódio de avançado para quem afunila as palas da visão nos golos sem ver os toques de bem jogar que sempre teve, agora com outra confiança, outro sol depois da tempestade. Sereno a trabalhar bolas na área, a lá encarar adversários e a trabalhar situações de remate onde antes se precipitava, ele, como Pedro Gonçalves, Porro e Nuno Santos, voltou a tentar marcar nos magotes de relva livre de que o Sporting continuou a usufruir até aos últimos 10 minutos. Quanto todos esses já tinham sido substituídos, Dário Essugo plantou a sola da chuteira na canela de Holsgrove para ser expulso.
Nem o jogador a menos menorizou o Sporting, que ainda rematou, mantendo-se firme e coeso atrás, importunado pela mansidão do Paços e a coordenação da última linha que no cerne tem Sebastián Coates, braçadeira a apertar-lhe o membro esquerdo na segurança do seu 300.º jogo pelo clube e com a certidão defensiva da qual tem sido foco na convivência com Rúben Amorim. O uruguaio esteve algumas semanas longe, fugidio para o Mundial, tempo de holofotes desviados que fez bem ao Sporting. Foram quatro jogos sem a sua baliza ser importunada e que com este são cinco, um reinado com 30 dias de duração feito no dia em que o futebol perdeu Pelé, o ‘Rei’ morto que nunca será reposto.