Os últimos 15 anos deram aos duelos entre Sporting e Sporting de Braga contornos especiais. O crescimento do clube minhoto, aproximando-o dos tradicionais três grandes, levou-o a entrar em rota de colisão com alguns objetivos do emblema de Alvalade, num histórico que engloba disputas por lugares cimeiros da I Liga, finais de Taça, Supertaça e Taça da Liga e um gosto leonino em ir buscar jogadores e treinadores à pedreira.
Ainda assim, e apesar do entusiasmo que uma partida a eliminar pode gerar, este encontro entre lisboetas e bracarenses apresentava-se como menos apelativo que o normal no passado recente. O jogo era para a Taça da Liga, o menos cobiçado dos troféus nacionais, este ano encaixado estranhamente enquanto no Catar se disputava a mais importante das competições; a noite de segunda era chuvosa e fria; e até a sensação de estarmos na ressaca de um dia histórico de futebol levava a crer que tudo o que fosse diferente do vivido na jornada que consagrou Messi soaria a pouco, a irrelevante, a insignificativo. É bom que nos vamos habituando à realidade.
Ora bem, o Sporting empenhou-se em tornar a noite no mais entusiasmante possível. A equipa de Rúben Amorim, homem que enquanto jogador e treinador possui um fetiche especial com a Taça da Liga, entrou a todo o gás, com um futebol rápido, enleante, agressivo e vertical, capaz de marcar três golos nos primeiros 20 minutos e cinco nos 45 iniciais, selando muito cedo a presença nas meias-finais do torneio que vestiu de verde e branco nas duas derradeiras campanhas.
Qual dança em que o que um bailarino faz afeta diretamente a ação do outro, tudo o que os locais apresentaram de acerto e coordenação tiveram os visitantes de infelicidade, atrapalhação, desnorte. O primeiro tempo do Sporting de Braga foi um compêndio de falhas e erros — mais ou menos forçados — que ajudam a explicar a goleada.
TIAGO PETINGA/Lusa
Com Pedro Gonçalves no meio-campo, junto de Ugarte, e Paulinho, Edwards e Trincão na frente, o Sporting demonstrou uma fluidez e ocupação de espaços quase perfeita na etapa inicial. Paulinho recuava no terreno e caía nas alas, dando referências de apoio frontal e saída, Edwards partia com coragem e magia para o drible, Trincão, bem mais solto e confiante que no começo da época, parecia flutuar em campo, caindo entre os espaços deixados livres pelo Sporting de Braga.
Os instantes iniciais evidenciaram um Sporting muito rápido a roubar a bola, encostando os homens de Artur Jorge para perto da sua baliza e ganhando cantos de forma consecutiva. Na segunda dessas bolas paradas, Pedro Porro cruzou para Paulinho, que cabeceou ao primeiro poste para defesa de Matheus. Inácio, sozinho de baliza aberta, fez o 1-0.
Apostado em ligar o público ao jogo e dar fantasia e espetáculo à noite, o Sporting continuou a carregar, com Porro a ameaçar o 2-0. O duplicar da vantagem chegaria mesmo aos 7', com um passe longo do lateral espanhol a encontrar Trincão, que amorteceu para que Paulinho, com classe, marcasse à antiga equipa.
O estado de confiança do tantas vezes criticado ponta-de-lança verde e branco é uma das notas de destaque desta Taça da Liga. São já seis golos apontados e diversas ações de qualidade dando recursos e variabilidade ao futebol ofensivo dos leões.
Além do sorriso de Paulinho, outro destaque, por marcar uma diferença face ao passado, é a atitude sem bola de Marcus Edwards. O inglês esteve muito rápido a condicionar a construção do Sporting de Braga e de uma dessas ações de pressão saiu o 3-0. O canhoto roubou a bola a Tormena, partiu rumo à área com a sua passada curtinha e acabou derrubado pelo defesa que tinha acabado de desarmar. Penálti que Pote converteu no terceiro golo da noite.
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O Sporting de Braga foi quase sempre um conjunto de homens a perseguir sombras em Alvalade. Sem acerto técnico ou tático, só André Horta, com dois remates de fora da área à passagem da hora de jogo, incomodou um pouco Antonio Adán. Rúben Amorim começou a Taça da Liga a pedir que o Sporting recuperasse a consistência defensiva e, para já, os verde e brancos não sofreram qualquer golo em quatro jogos no torneio.
O 4-0, aos 41', foi um retrato do naufrágio bracarense e de algumas virtudes leoninas: o Sporting até parecia encurralado junto à direita da sua área, fruto da pressão dos visitantes. No entanto, Pedro Porro levantou a cabeça e deu para Paulinho, empenhado em dar uma lição sobre ser referência ofensiva. O internacional português tocou para Ugarte, que solicitou no espaço Nuno Santos. A razão para que o ala partisse sozinho desde a linha do meio-campo é desconhecida. Agradeceu Trincão, que sem oposição bateu Matheus, noutro golo de um ex-Sporting de Braga.
A primeira parte dos amores para o Sporting e dos horrores para o Sporting de Braga foi concluída com toques circenses de Marcus Edwards. O inglês parece, desde que chegou a Portugal, um jogador com potencial completo por descobrir, um copo sempre meio vazio, um “e se” feito de fintas e simulações. Rúben Amorim está apostado em transformá-lo na melhor versão possível. Ganhou um penálti e fez o 5-0 final.
A segunda parte até começou com mais números de classe de Porro e Edwards, mas a partida tornou-se num longo esperar pelo apito final, decididos que estavam estes quartos-de-final. Amorim deu minutos a Jovane, Arthur, Esgaio ou Essugo, Artur Jorge tentou fazer gestão de danos.
O Sporting entrou na Taça da Liga para respirar depois de um início de temporada que levou aos momentos mais difíceis da era Amorim, e o torneio tem dado de presente alegria e estabilidade. Seis vitórias seguidas, quatro jogos sem sofrer golos, meias-finais asseguradas. Rúben Amorim, que ergueu a tantas vezes mal-amada prova por três ocasiões como técnico e seis como jogador, viu os seus felizes atacantes servirem um cabaz de natal.