Perfil

Inglaterra - Senegal. Sweet Harry Kane, good times never seemed so good

Crónica de Jogo

Alexander Hassenstein

A Inglaterra fez um jogo competente e superou o Senegal, nos oitavos de final do Mundial, com uma vitória por 3-0. Kane, Henderson e Saka fizeram os golos da seleção de Southgate. Segue-se agora a França de Mbappé

Partilhar

Hugo Tavares da Silva

Hugo Tavares da Silva

enviado ao Mundial 2022

Jornalista

O cronómetro miava qualquer coisa como 29 minutos para jogar. Harry Kane, já com o marcador a justificar-se cabalmente com um 3-0 espinhoso que se tornou fácil, recebeu a bola no meio-campo. Havia muito espaço nesta fase, mas o bafo de Kalidou Koulibaly aquecia-lhe a nuca. Como se fosse a ação mais natural, o 9 virou-se, passou a bola por debaixo das pernas do quase deitado e ferido no orgulho senagalês e testemunhou como aquele edifício desabava. A bola saiu fugidia e o britânico, sem problemas de sujar a farda, mandou-se para a relva, em carrinho, para tocar-lhe primeiro que um defesa qualquer e lançar Phil Foden junto à linha de cal. Estes cinco segundos definem o jogo de Harry Kane. Foi decisivo esta noite, como se espera que seja este faz-tudo, e a Inglaterra está facilmente nos ‘quartos’ sem jogar um futebol vistoso.

Sem Raheem Sterling, ausente esta noite por motivos pessoais, Gareth Southgate lançou finalmente Phil Foden. O selecionador disse na véspera que uma fatia importante de estar neste cargo é fazer as pessoas felizes. Com Foden em campo, arriscamos, está mais perto. Declan Rice e Jordan Henderson fechavam por dentro e Jude Bellingham, um grandíssimo futebolista, apareceria mais solto pela meia esquerda. Foden pela esquerda, Bukayo Sako pela direita e na posição 9, mas também na 10 ou onde ele quiser, Harry Kane. Torna-se ligeiramente embaraçoso e irresistível ver alguém a cumprir o seu ofício com tanto conhecimento. Até a fisicalidade e os esbarramentos com os ossos alheios são admiráveis.

A seleção de Aliou Cissé, órfã de Sadio Mané mas a jogar como é suposto jogarem os campeões de África, controlaram com apenas dois homens, Ismaila Ciss e Nampalys Mendy, o miolo. Krépin Diatta e Ismaïla Sarr, que sacou um amarelo a Kyle Walker na primeira parte e isolou Boulaye Dia quando ainda estava 0-0, mostravam muito valor nas extremidades dos campos. Atrás, a comandar o 4-4-2 organizado e valente no pressing, estava Koulibaly.

Este jogo dos ‘oitavos’, no Al Bayt, até começou com Harry Maguire, que se apresenta a um nível bastante satisfatório na seleção, a assustar os compatriotas, regalando a bola para Dia. O avançado meteu-se entre os centrais dos rivais de Manchester e foi preciso Jordan Pickford cancelar a festa. A Inglaterra, neste jogo rasgadinho, ameaçou mais pela esquerda. Kane ia sendo pouco servido, e o perigo só chegara pela cabeça de Stones, de canto.

Soccrates Images

O golo do Senegal não parecia muito improvável. Maguire voltou a entregar a bola a quem não devia. Desta vez, quase quase em época natalícia, Diatta aceitou o presente e começou a correr para ninguém o afastar dele. Cruzou, Dia tentou um vólei difícil. Foi bloqueado por Stones. A bola ficou a pingar na área como a chuva que não se vê por aqui e Sarr, tão perto dos três ferros que permitem ao sangue aquecer, bateu para o céu.

Os ingleses continuavam a não encontrar Kane. Ou Foden, ou Saka, ou Bellingham. Mas não há nada mais mortífero do que o avançado do Tottenham, o capitão da seleção inglesa, recuar uns metros e sacar o Tom Brady que tem em si. Já os senegaleses, ainda certos na defesa, voltaram a meter Pickford debaixo dos holofotes: o braço esquerdo do guarda-redes do Everton evitou o golo de Dia, agora lançado por Sarr.

Os golos ingleses começaram então a surgir com uma naturalidade quase insultante. Primeiro, Kane baixou no terreno, lançou Bellingham na esquerda e este, abençoado pela arte dos que sabem jogar futebol a sério, meteu um passe atrasado para onde se devem meter os passes atrasados. Henderson fez o 1-0. Depois de ameaçar o 2-0, Kane fez mesmo o segundo golo da noite, aqui algures no deserto em Al Khor, graças a uma cavalgada elegante de Jude Bellingham, que aguentou cargas e atritos e tudo o que estava contra ele inventar um golo. O médio que provavelmente vai poder escolher onde vai jogar no futuro meteu a bola em Phil Foden. O canhoto do City, que estivera no primeiro golo, tocou para o meio para Kane, que, com dois toques, meteu um balázio na baliza de Edouard Mendy.

Alex Livesey - Danehouse

Já depois de Cissé ter trocado, ao intervalo, três jogadores, Bukayo Saka meteu o 3-0. Foden foi o obreiro, superando Sabaly com uma facilidade avassaladora. A bola entrou na pequena área e o extremo do Arsenal afirmou com o pé esquerdo: sim senhor, vamos lá golear estes senhores. O Senegal estava a desconjuntar-se, tinha menos brilho na frente, menos força e coordenação para pressionar. Os batuques fora do campo, esses, mantinham a cadência. Um pouquinho de CAN no Catar funciona como uma benção. A cada golo, os tambores eram abafados por:

Freed from desire, mind and senses purified /
Freed from desire, mind and senses purified /
Freed from desire, mind and senses purified /
Freed from desire /
Na-na-na-na-na, na-na, na-na-na, na-na-na /
Na-na-na-na-na, na-na, na-na-na, na-na-na /
Na-na-na-na-na, na-na, na-na-na, na-na-na / Na-na-na-na-na, na-na, na-na-na, na-na-na

Jack Grealish e Marcus Rashford (não ficou longe do 4-0, já depois da hora) juntaram-se à festa. O jogo estava mais morno, talvez por isso tenha começado a tradicional onda nas bancadas. Os avançados do Senegal, todos com nome próprio na primeira parte, tornaram-se simpáticos anónimos. Aliou Cissé, o “melhor treinador africano” de acordo com Fary, ia puxando pelos jogadores. O sonho de imitar a feitura de 2002 estava com ares de impossível.

Pape Matar Sarr tentou encurtar as distâncias com um livre direto malandro, mas a bola, reticente, ficou-se pela rede lateral da baliza de Pickford. Com o derretimento do plano senegalês, há muito tempo que Henderson e Rice estavam confortáveis e moviam a bola como queriam.

Os muitos milhares de ingleses entre os quase 66 mil adeptos no Al Bayt esperavam, sem grande emoção e com uma gloriosa indiferença, o protocolar apito final. E o já tradicional “Sweet Caroline”, que serviu de banda sonora para a volta olímpica dos jogadores, liderada por Harry Kane. Agora segue-se a França nos quartos de final. A França campeã do mundo. A França de Kylian Mbappé.