Durante a hora inicial da jornada de fecho do grupo D, tudo parecia correr bem à Austrália. A teoricamente mais forte Dinamarca até tinha começado gerando algum perigo, mas a barreira defensiva erguida pela seleção da Oceânia que pertence à Ásia do futebol ia servindo para garantir o 0-0. No outro duelo, a Tunísia tinha de derrotar a França, campeã do mundo, para que as contas deixassem de ser do agrado dos socceroos.
Até que, subitamente, o que parecia controlado pelos australianos, tão seguro como os cortes providenciais do gigante central Harry Souttar, fugiu das mãos dos cangurus da bola.
Aos 58', Wahbi Khazri, o mais mago dos tunisinos, pegou na bola, abriu caminho entre a defesa gaulesa e colocou os africanos do Norte na frente. Com a equipa de Deschamps a deixar de fora do onze Mbappé, Griezmann, Dembelé ou Giroud, a hipótese da primeira vitória de sempre da Tunísia contra a França era bem real. Como real se tornou a evidência de que, para a Austrália, erguer uma muralha de cangurus à frente da sua baliza já não bastava para seguir em frente. Era preciso um golo.
A reação australiana foi tão imediata que pareceu espoletada por um qualquer botão de desligar e ligar. Neste caso, acender a urgência pelo golo. Aproveitando a desorganização dinamarquesa — os nórdicos também precisavam de marcar —, a equipa de Graham Arnold ligou um contra-ataque que deu muito espaço a Mathew Leckie, investido num duelo individual contra Joakim Maehle.
Leckie, o número 7 da Austrália, está no seu terceiro Mundial. Tem uma carreira sólida na Bundesliga, é um dos mais bem-sucedidos jogadores desta geração do país, mas está longe de ser uma figura do primeiro plano do jogo. Mas, quando chega o principal torneio, dá sempre a ideia de ter futebol de requinte nas suas bolas. Pertence ao clube presidido por Memo Ochoa, o dos jogadores quadrienais.
O ala dançou à frente de Maehle, ganhando espaço para rematar de pé esquerdo. O tiro saiu cruzado, fora do alcance de Schmeichel. Já era dia 1 de dezembro nos antípodas do nosso planeta, cidades como Sydney ou Melbourne iam quase nas 4 da manhã, mas houve gritos de golo do Catar até à gigante ilha de onde vem uma das seleções que estará nos oitavos de final.
Soccrates Images/Getty
A Austrália terminou, assim, em segundo lugar do grupo, atrás da França, que fez seis pontos mas teve melhor diferença de golos, e à frente da Tunísia, com quatro pontos, e da Dinamarca, somente com um. Socceroos e gauleses juntam-se aos Países Baixos e EUA e Senegal e Inglaterra na seguinte ronda.
Espicaçados pela urgência de somar três pontos, os dinamarqueses até começaram autoritários. Vindos de uma fase de qualificação fantástica, na qual venceram nove dos 10 encontros disputados, e semi-finalistas do passado Europeu, os homens de Kasper Hjulmand vieram para o Catar com grandes ambições, mas o nulo a abrir contra a Tunísia e a derrota contra a França não deixavam margem de erro.
Nos 30 minutos iniciais, os europeus dominaram. Lindstrom, com uma técnica capaz de tornar qualquer míssil vindo do ar numa bola dominada, agitava pela esquerda, Eriksen organizava no meio. Ryan, o guardião australiano, evitou o golo de Jensesn aos 10', Skov Olsen e Maehle também ameaçaram.
Mas o golo da Dinamarca não chegou e, com o passar do tempo, o coletivamente bem trabalhado futebol dos nórdicos, o qual os levou a tão bons resultados recentes — em junho e setembro bateram a França, em casa e fora, na Liga das Nações —, tornou-se em algo caótico, precipitado, forçado por uma crise de nervos. No primeiro lance do segundo tempo, Kasper Schmeichel falhou um passe para Christensen, oferecendo um canto. Foi o espelho do desnorte.
Claudio Villa/Getty
A Austrália montava um bloco difícil de penetrar à frente da sua baliza. Harry Souttar, central de quase dois metros, parece cada vez maior quanto mais perto está a sua baliza. É um dos heróis deste Mundial. Atua no Stoke City e, esta temporada, tem um encontro disputado na segunda divisão inglesa e três na liga sub-23. Os próximos quatro anos ditarão se as exibições no Catar são produto de um contexto particular ou rampa de lançamento de carreira.
Os rapazes de amarelo tinham chegado poucas vezes perto da baliza adversária quando Leckie apontou um golo que entrará para a história do país onde outros jogos, com bolas não tão redondas, dominam. Tim Cahill, o atacante feito pugilista que marcou em três Mundiais, aparecia na bancada de lápis e caneta na mão, talvez a fazer contas ao apuramento.
Em 2006, com Kewell, Cahill, Bresciano ou Viduka, a Austrália passou a fase de grupos, só caindo frente à futura campeã Itália com um penálti tardio de Totti. Agora, os socceroos voltam aos oitavos de final de um Mundial. A Tunísia bateu, pela primeira vez, a França, num triunfo histórico que teve sabor amargo para outra das seleções africanas que competiu bem no Catar.