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Crónica de Jogo

Quando os médios ić acordaram, o Canadá saiu do Mundial

O primeiro golo da história dos canadianos em Campeonatos do Mundo apareceu logo aos 68 segundos com a velocidade, verticalidade e risco que trouxeram para o torneio. Mas, à meia hora de jogo, tudo começou a mudar quando Modrić, Brozović e Kovačić deram outro andamento ao carrossel de passes para a Croácia ganhar (4-1). Com a segunda derrota, o entusiasmante futebol da seleção do Canadá já só tem mais um jogo neste torneio

Diogo Pombo

Maja Hitij - FIFA

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A pressa é matéria do tempo que anda ao mesmo trote para todos, pensar que pode andar a passo ou a galope consoante vontades é das típicas ilusões mentais a que nos sujeitamos, cada qual com as suas crenças e o Canadá do soccer, a marimbar-se para esse sacrilégio do eurocêntrico futebol, já mostrara frente aos enferrujados belgas como não esperou 36 anos por um revisita ao Mundial para jogar a conspirar com resultados, ser alérgico ao risco ou mandriar com as intenções de jogo na prudência do ‘ai e se isto corre mal’.

Quando, em 1986, teve a única aparição nestes palcos coincidir com a atribuição do Nobel dos génios a Diego Armando Maradona, o Canadá era, ainda mais, a mais pobre das sobrepopuladas potências desportivas no que concerne a futebol. Praticava-o em campos indoor, sem ligas profissionais e com a relva a ficar com as sobras do gelo pelo qual vibram. O prejuízo da espera por um retorno e de nem um golo marcarem nessa presença poderá ter tido algo a ver com o frenesim vertical no jogo da seleção, cujo desacerto perto da baliza e a fortuna que não quis nada com ele tramou os canadianos na primeira jornada no Catar.

De novo apressados em encher o papo da carência por Mundiais, os jogadores a folha de ácer na bandeira do país mostraram como olhar para a frente não é um risco, antes uma opção. À primeira posse de bola, o guarda-redes Milan Borjan, nascido ainda na Jugoslávia, bateu um propositado pontapé longo para a terra de ninguém entre as linhas dos defesas e médios da Croácia, para onde Cyle Lavin se esgueirou, amansou o chuto com algodão e rapidamente deu seguimento à jogada. Num ápice, havia um cruzamento a ir ter com o galopante Alphonso Davies, que saltou em corrida para dar uma cabeçada na bola.

O ponteiro dos segundos apenas se mexera 68 vezes no relógio e já ganhava o Canada organizadamente esbaforido, sem pudores em pular a parte da troca passes que visa atrair a pressão lá atrás e tentar logo fazer a bola chegar a quem de direito no ataque em dois, três, quatro passes se possível. Os canadianos rendem-se às motos humanas que têm em Tajon Buchanan, à direita, e no badalado Davies à esquerda, que joga a mil mostrando como depressa e bem há mesmo quem - a forma como finta e mexe com a bola a alta velocidade impressiona, cada vez mais.

Durante a meia hora inaugural, essa dispensa de formalidades a meio-campo, onde o prestes a ser quarentão Hutchinson e o aqui mais filtrador de jogo Stephen Eustáquio, a ser mais o que era antes de moldagem ao FC Porto, cedo levam as jogadas aos dois extremos, desmonta o excesso de calma dos croatas com esticões constantes na partida. E só quando o trio de médios acabados em entenderam que o carrossel de bola no pé dos croatas precisava de girar com outro andamento, trocando de posições para abrirem espaços onde outros pudessem recebê-la, o sofrimento começou a minguar.

ADRIAN DENNIS/Getty

Os toques salpicados de esperteza do cérebro com dois pés de Modrić deram a rotação que se juntou às estadias na bola mais demoradas de Brozović e Kovačić, que chamavam a eles a pressão para depois lançarem algum dos homens da frente nas costas dos centrais canadianos. Os pesados Steven Vitória e Kamal Miller, a quem é custoso virar o corpo para ajustar o espaço na profundidade onde o Canadá também arrisca ser generoso, viram Kramarić lá aparecer para empatar. Depois, embrulharam-se numa desmarcação do mesmo avançado para a sobra desse atabalhoadamente dar a Livaja o segundo golo croata.

O antídoto para contrariarem a incessante procura dos canadianos por chegarem rápido à frente era fazerem-nos correr atrás da bola. A reboque, em vários momentos, da licença para conduzir a bola na qual Kovačić tem uma carreira a especializar-se, a Croácia magistrou-se a chamar os adversários a um lugar para rapidamente os apanhar na curva e passar a bola rumo a outro sítio. Sempre pela relva, sempre rápido a partir da segunda parte, sempre confiando no médio do Chelsea e nos outros dois meiocampistas do ić.

Confiando nos seus pés e acelerando as ligações entre eles, o Croácia manipulou as marcações do Canadá e aproveitou a descoordenação da linha defensiva, setor mais fraco de uma seleção com a balança torta: o talento velocista na frente contrapõe-se ao peso dos corpos atrás. Jonathan David, à beira da área, ainda rematou em jeito uma ameaça, mas, nos segundos 45 minutos, os vice-campeões mundiais viram muito das mãos do guarda-redes canadiano antes e depois de Kramarić, na área, rematar o 3-1.Nos descontos, uma abordagem desastrada do central Kamal Miller quando era o último jogador até à baliza ainda providenciou o 4-1, por Lovro Majer.

O quadruplo castigo é demasiado para o Canadá cujo esvaziamento do peito cheio à meia hora de jogo coincidiu com a lesão de Stephen Eustáquio (sairia ao intervalo). O dominioić das operações ao centro do campo controlou os canadianos que se estrearam a marcar em Mundiais e ficam a saber que deste vão sair antes de entrarem no terceiro jogo da fase de grupos. Vê-los a não se preocuparem por aí além com esticarem constantemente os seus ataques, de logo procurarem passes para a frente e de raramente abrandarem é de salutar, porque este torneio que já teve cinco 0-0’s puxa da saudade de ver equipas a arriscarem.