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No domínio de Roglic, João Almeida termina o Tirreno-Adriático em segundo. E Pogacar passeia a sua voracidade no Paris-Nice

Num dos melhores resultados na carreira do português, o caldense só ficou atrás de Roglic na corrida italiana que une os dois mares, dando excelentes indicações a menos de dois meses do Giro. O esloveno da Jumbo-Visma venceu três etapas, tal como o seu compatriota Pogacar noutra das principais competições de uma semana do calendário World Tour

Pedro Barata

Tim de Waele/Getty

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As rampas da tirada seis do Tirreno-Adriático, com chegada a Osimo, impõem respeito. A conhecida como “etapa dos muros” pode marcar a classificação geral final da corrida que une os dois mares e, numa manobra de coragem e ambição, João Almeida começou a agitar a prova a cinco quilómetros da meta. Aquela zona, com estrada estreita, faz lembrar a rua da casa de João Almeida, em A-dos-Francos, onde está ainda pintada no chão uma bicicleta cor-de-rosa, símbolo dos dias em que o caldense se deu a conhecer ao mundo no Giro de Itália 2020.

Talvez espicaçado pelas memórias, quiçá sentindo-se bem fisicamente ou querendo mostrar que, na ausência de Tadej Pogacar, é ele o líder da UAE-Emirates, Almeida arrancou no seu estilo, sentado na bicicleta e forçando o andamento sem propriamente ter uma enorme capacidade de explosão. Fez a seleção do grupo, só sendo seguido até final por Primoz Roglic, Enric Mas, Mikel Landa e Tao Geoghegan Hart.

A etapa seis seria vencida por Primoz Roglic, sereno e tranquilo, festejando não levantando os braços mas levando a mão ao aparelho que mede os seus dados em cima da bicicleta, quase indiferente ao cenário. O esloveno já tinha vencido nos dois dias anteriores e, depois de uma última jornada em que, como esperado, não houve mexidas na geral, é o vencedor da edição de 2023 do Tirreno-Adriático. A última etapa foi vencida ao sprint por Jasper Philipsen.

João Almeida terminou em segundo, só atrás de Roglic, um craque de dimensão consolidada, vencedor da Vuelta em 2019, 2020 e 2021. É um dos melhores resultados da carreira do português, que conquistou a classificação da juventude.

João Almeida a atacar na penúltima etapa do Giro, seguido de Roglic e Mas

João Almeida a atacar na penúltima etapa do Giro, seguido de Roglic e Mas

DIRK WAEM/Getty

O Tirreno-Adriático é uma das principais corridas de uma semana do calendário internacional. Este ano, foi marcada pelo domínio de Roglic, não atacando de longe e abrindo grandes espaços, mas indo com os seus competidores até à linha de meta, rumo a uns metros finais em que, em sprints em grupos reduzidos, o homem da Jumbo-Visma não dá hipóteses. Calcula a distância, avalia a chegada, arranca no tempo certo, não desperdiçando nada de energia, todo ele cálculo e eficiência. Somou assim um hat-trick de etapas.

Atrás do esloveno, João Almeida não perdeu tempo na estrada, nunca cedendo segundos nos finais mais complicados. O caldense acabou a 18 segundos de Roglic, fruto das bonificações que o esloveno foi conquistando ao longo das etapas. Depois da penúltima etapa, o corredor da UAE-Emirates disse que “o mais forte ganhou” o Tirreno-Adriático, um Roglic “muito forte, o que não é surpresa”. “Queria ganhar, mas estamos satisfeitos com o pódio. Fizemos tudo o que podíamos”, considerou.


João Almeida e Primoz Roglic

João Almeida e Primoz Roglic

Tim de Waele/Getty

No seu estilo habitual, sem grandes mudanças de ritmo mas cerrando os dentes, estabelecendo o seu andamento, João Almeida deu sinais que convidam ao otimismo. A prestação em Itália segue-se ao sexto lugar final na Volta ao Algarve, na qual foi segundo no Alto do Malhão.

O final de 2022 levantou questões entre o pelotão internacional sobre o papel de Almeida na UAE-Emirates. O crescimento de Juan Ayuso, grande promessa espanhola, a juntar à profundidade do elenco da equipa poderiam fazer pensar se o português de 24 anos continuaria a ter sempre protagonismo nas corridas sem Pogacar.

Mas Almeida começa 2023 ao seu melhor estilo, regular em provas por etapas, consistente diariamente, sendo uma garantia de rendimento regular. A cada subida há novo cerrar de dentes, novo esforço sentado na bicicleta, mais uma afirmação em águas pouco navegadas na história recente dos ciclistas nacionais.

O primeiro grande objetivo da temporada, o Giro, começa a 6 de maio. João Almeida irá, agora, disputar a Volta à Catalunha, de 20 a 26 de março. Seguir-se-á depois um período de estágio em altitude, para ultimar a presença na corsa rosa.

Pogacar devora o Paris-Nice

O mundo da escrita sobre desporto é amigo do exagero e da hipérbole, mas dizer que ver Tadej Pogacar pedalar é assistir a história sobre duas rodas é apenas constatar o óbvio. Cada prova do esloveno é quase uma homenagem ao ciclismo, uma declaração de amor à bicicleta, ao correr com coragem, entusiasmo e ambição infinitas.

Pogi começou 2023 vencendo as três primeiras corridas que participou, em Espanha. Chegou ao Paris-Nice já com cinco triunfos na temporada e saiu da “corrida para o sol” com vitórias em três etapas e a conquista da geral. São já 55 provas ganhas na carreira para o fenómeno esloveno.

Tadej Pogacar festeja na sétima etapa do Paris-Nice

Tadej Pogacar festeja na sétima etapa do Paris-Nice

DAVID PINTENS/Getty

O Paris-Nice era aguardado com grande entusiasmo devido ao duelo direto entre Jonas Vingegaard e Tadej Pogacar, respetivamente primeiro e segundo do Tour de France 2022 e grandes favoritos para a edição deste ano da mais importante volta do calendário. O embate foi claramente favorável ao esloveno, ciclista que anda no máximo de fevereiro a outubro, em três semanas ou em clássicas.

Se Primoz Roglic esperou até ao final das etapas para se impor no Tirreno, Pogacar foi fiel a si próprio no Paris-Nice, atacando de longe, dando chicotadas constantes nas etapas, mudanças de ritmo que sufocam os rivais. “O ataque é a melhor defesa”, disse Pogi depois de se impor na última jornada, o tradicional final em Nice, bem perto de Monte Carlo, onde vive.

O filho da professora de francês que pedala sempre com um tufo de cabelo a sair-lhe do capacete poderá ou não reconquistar o Tour no verão, mas neste momento não tem oponente à altura nestes cenários. Como especialista de três semanas que se transforma em atacante amante das clássicas, Pogacar é vários ciclistas num só homem, quase uma anomalia no sistema que eleva a fasquia para que os demais o acompanhem.

O esloveno venceu o Paris-Nice com a voracidade que o caracteriza, a fome de vencer tudo. O segundo foi para David Gaudu, francês sobre quem recaem as maiores esperanças do país que acolhe o Tour, e o terceiro para Jonas Vingegaard, incapaz de acompanhar o homem da UAE-Emirates. Para Pogacar, segue-se a Milão-San Remo, um dos cinco monumentos, prova de um dia de máxima importância. E, logicamente, Tadej será um dos principais favoritos.

  • <span style="color:#a0364c">João Almeida</span> <br>A bicicleta de alta roda
    Ciclismo

    João Almeida surpreendeu ao ser líder do Giro durante 15 dias em 2020. O caldense, para quem a bicicleta começou por ser um “símbolo de liberdade”, tem-se consolidado como a maior esperança nacional de êxito nas principais corridas desde Joaquim Agostinho. O perfil de João Almeida é um dos 50 escolhidos pelo Expresso, por representarem o futuro do país - a que juntamos 50 que marcaram os últimos 50 anos