Jonas Vingegaard, o ciclista dinamarquês que venceu a Volta a França, andou desaparecido durante uns tempos. Apenas alguns vizinhos em pequenas localidades de Espanha sabiam dele. Faltou à prova principal do seu país, a Volta à Dinamarca, embora tenha lá estado como discreto espetador, e muitos se questionavam sobre o que teria acontecido a uma das principais figuras do ciclismo mundial.
O jornal “El Mundo” refere-lhe as origens simples, de aldeia, e os hábitos discretos: sofá, longe dos holofotes e das redes sociais, a descansar as pernas e a mente. Durante o tempo que passou longe da atenção do mundo, ignorando chamadas de fontes tão diversas como patrocinadores e jornalistas, Jonas deu atenção a si próprio, à mulher e à filha. “Vi um pouco de TV, relaxei e passei algum tempo com a família e amigos, apenas a curtir a vida. (…) Claro que pedalei um pouco”, diz Vingegaard, que regressa agora, a tempo de participar na Volta à Croácia.
Grischa Niermann, diretor da equipa Jumbo-Visma, foi o primeiro a falar sobre o tema há cerca de um mês: “Teve de lidar com uma grande pressão, tanto da parte dos fãs como da imprensa, precisa de descansar”. Brian Holm, um dos diretores desportivos da Quick-Step referiu a hipótese de Vingegaard estar com “stress pós-traumático”. O compatriota de Jonas, ex-ciclista, explicou: “É muito mais duro do que muitos pensam. Conheço corredores que tiveram um ano horrível após uma grande vitória. Para ele, não é simples estar rodeado de gente dia e noite”.
Nesta segunda-feira, Vingegaard abriu-se “Ekstra Bladet”, um jornal dinamarquês: “Durante um ano inteiro preparas-te para o Tour e, de repente, acabou. Não quero dizer que me tenha sentido vazio, mas foi uma sensação estranha”. O ciclista referiu também um “bombardeamento mental” após a glória na Volta a França.
Na mesma entrevista, Jonas conta como, desde muito jovem, sofria episódios de stress que o faziam vomitar antes de cada etapa. A sua primeira grande vitória aconteceu na Volta à Polónia, em 2019. Nessa altura, não conseguia dormir. “Deixa-me muito cansado falar diariamente com os meios de comunicação social”, confessou.
Ao “El Mundo”, Juan Carlos Campillo, treinador, explica: “O caso de Vingegaard não é uma exceção. São habituais os episódios de ansiedade que acabam em depressão. Quando, após uma pressão tão grande, o desportista atinge o objetivo, acontece uma explosão, uma libertação, mas quase de imediato começam as dúvidas e os pensamentos de que pode ter sido apenas uma questão de sorte. É aquilo a que chamamos ‘síndroma do impostor’”. Campillo, que trabalhou com Julien Lopetegui, prossegue: “É por isso tão habitual que o campeão adie o seu regresso, por temer que o novo desafio estrague o seu êxito anterior”.
É conhecida a forte ligação de Jonas Vingegaard à mulher e à filha. Sabe-se que lhes telefonava diariamente durante a corrida francesa. Sobre isso, Campillo diz: “Trata-se de um pau de dois bicos. Por um lado, a família atua como apoio, como o cenário em que o desportista não precisa de ser uma figura pública. (…) A dualidade chega quando cobra aos mais próximos as consequências da sua tensão. (…) Deve gerir primeiro a pressão para voltar tranquilo ao seu refúgio”.
Ao “Ekstra Bladet”, Vingegaard assumiu a decisão de se afastar como tendo sido da sua inteira responsabilidade. O dinamarquês referiu ainda que contou com o apoio total da equipa Jumbo-Visma.