Uma corrida de 24 horas com quatro equipas a passar pelo comando da prova e luta acesa pelo pódio até ao final. Assim foi a edição deste ano das BP Ultimate 24 Horas TT Vila de Fronteira, disputadas sábado e domingo nesta vila alentejana, com organização do ACP Motorsport. A menos que ocorra um golpe de teatro, a vitória não escapará aos franceses da equipa n.º 2 liderada por Laurent Poletti num buggy MMP X4 Turbo.
Tinha escrito numa crónica anterior que um dia um SSV (aranhiço) ganharia esta corrida. Não esteve longe de acontecer este ano e a poucas horas do final não só havia três destes veículos nos seis primeiros lugares, como um destes, um Can-Am X3 com o n.º 39 ascendia ao segundo lugar. Trata-se dos belgas da equipa liderada por Sebastien Guyette.
No comando e depois na terceira posição chegou a estar a equipa luso-francesa de Mário Andrade no AC Nissan Proto n.º 22, vencedora das três últimas edições da prova que caiu para fora do top ten, a cujo degrau mais baixo ascendeu a primeira equipa integralmente portuguesa, a n.º 6 com uma Toyota Hi-Lux como as do Dakar e integrando Tiago Reis, ex-campeão nacional, seguindo-se em 4.º lugar outra equipa lusa a n.º 5 em buggy MMP (pede-se ao respeitável público que reconfirme os resultados finais em 24horastt.com, uma vez que golpes de teatro nos últimos minutos podem ocorrer e fazem parte da lenda desta prova).
O que mais ninguém vos pode contar é como foi esta corrida vista ao volante, ou seja por dentro, que é como quem diz a partir do posto de pilotagem. Começo por vos dizer que talvez por causa das chuvadas desta semana, seguidas de um sábado e um domingo com sol radioso, a pista se apresentou melhor que nunca, com um piso rapidíssimo ainda que com algumas armadilhas, apenas faltando mais água nas ribeiras para abrilhantar o espetáculo.
A velha guarda do TT
O nosso Nissan Patrol GR com o n.º 24 apresentava-se para mais uma faena, se não me engano a 14.ª consecutiva para o jipe. Quanto a este vosso dedicado escriba é a 24.ª participação, ou seja a totalidade desde a primeira edição em 1998, este ano acompanhado pela velha guarda do TT (Rui Casimiro que ganhou o primeiro Portalegre a solo em 1987 e Armando Coelho, quase tão antigo nestas lides como ele) e um representante da nova geração João Diogo Santos que, se guiasse tão bem como repara o carro, nos colocaria invariavelmente nos três primeiros lugares…
Sábado às 14h, a partida, observada da penúltima fila da grelha, onde nos encontrávamos, teve as peripécias habituais ainda que ninguém amachucasse a lata. Com o longo pelotão de 65 carros a começar a desenrolar, o velho GR lá foi andando numa pista que estava tão boa que se andava tranquilamente em quarta ou quinta a maior parte do tempo. Uma pequena falha de potência à sexta volta era o prelúdio das peripécias que estavam para vir. Passámos o resto da corrida a debatermo-nos com problemas na alimentação de gasóleo que nos atiraram muito para o fim da tabela.

A sempre espectacular noite de Fronteira
Mário Cardoso
O bruxedo dos bruxedos
Por volta da meia-noite os sucessivos bruxedos pareciam finalmente ter sido esconjurados. Quando larguei para o segundo turno de condução esperava uma noite tranquila mas os fados tinham decidido doutra forma. Além de o motor falhar intermitentemente, o carro começou a fugir para a esquerda. De repente fugiu de vez e em desespero de causa atirei-o por um talude acima na direção de um posto de controlo. O primeiro comissário que acorreu deitou as mãos à cabeça e disse “direção aberta” e eu pensei para os meus botões: “já fomos…”.
Levados de reboque para a boxe, o diagnóstico revelou-se ainda mais sombrio: cubo, rolamento e semi-eixo tinham entregue a alma ao criador depois de muitos anos de bons e leais serviços. Perfilava-se a desistência até que por sugestão de Orlando Romana, diretor da prova, contactámos um antigo piloto com amigos numa oficina em Fronteira e integrando a equipa da organização da prova que, quase à uma da manhã, nos abriu a loja e deixou andar à procura de peças usadas compatíveis com o nosso carro. Obrigado Filipe Viçoso!
E foi assim que o nosso Patrol que tinha começado por ser um trator (em comparação com os concorrentes mais velozes) passou a triciclo para finalmente se metamorfosear em camião apenas de tração traseira e sistema inovador de travagem às três rodas. Costuma dizer-se que a velha guarda do TT guia qualquer coisa, até um bidão de óleo, desde que tenha quatro rodas e volante.
Às seis e meia da manhã, ainda escuro como breu mas com o piar da passarada a anunciar que a luz do dia vinha aí, lá fui para a pista. Sucederam-se as peripécias: à minha frente, um buggy azul fez meio pião e tive que lhe fazer uma finta junto à vedação para não amolgarmos a lata. Depois, um dos SSV quis desafiar as leis da física, entrando num estreito
onde só cabia um carro (e o meu já lá estava) e dando-me um toque do lado esquerdo. Entretanto nascia o sol o que, se nos mostrava os buracos e as pedras, nos encandeava sempre que rumávamos a leste e não havia óculos escuros ou palas de sol que nos valessem.
Já com dia claro passei os magníficos da equipa n.º 28, a bordo de um Renault 4L (leu bem, prezado leitor, uma “catrelle” numa prova destas) e depois de nos saudarmos com acenos efusivos e toques de buzina lá seguimos, provavelmente os dois concorrentes mais lentos em pista, tirando os avariados, com pneus furados, etc.
A liga dos últimos
Não é só a cabeceira da corrida que é bem disputada. O mesmo sucede no topo oposto da tabela classificativa. Nós, na liga dos últimos, estamos como as equipas pequenas do futebol na última jornada do campeonato, ou seja condenados a fazer contas, depender das combinações de resultados dos adversários e em última análise, da sorte. Para acabarmos classificados, tínhamos que fazer pelo menos 40% das voltas do vencedor, ou seja algo parecido com 48 voltas. Um roer de unhas à medida que nos aproximávamos do final da corrida: a três horas do fim, já tínhamos 43 voltas. Só mais cinco, contando com a última, desde que é claro, o jipe aguentasse, não perdesse outra roda, algum “avião” não nos atirasse para fora da pista, etc, etc.
Mas, num enorme esforço de superação, o trabalho dos mecânicos revelou-se forte e feio, a mecânica tremeu mas não caiu, os pilotos não borraram a pintura e acabámos em penúltimo mas ainda classificados. Assim se vê a força do TT…