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O despertar dos “aranhiços”

Os SSV que já têm lugar marcado no Dakar começam também a mostrar as suas virtudes nas provas de resistência como as 24 Horas TT de Fronteira

Rui Cardoso

Um dia, um carro destes ganhará as 24 Horas de Fronteira

ACP Motorsport

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Ao fim de meia dúzia de edições das 24 Horas TT de Fronteira os jipes e pick-ups começaram a ser destronados pelos buggies especialmente preparados para provas de resistência, muito mais leves e potentes mas nem por isso menos fiáveis. A vitória de Mário Andrade na edição de 2004 foi o dobre de finados dos jipes puros e duros que, na vida de todos os dias, também começavam a ser substituídos pelos SUV.

Como a evolução nunca pára, desenha-se agora uma nova tendência, a do domínio dos SSV, vulgo “aranhiços”. É uma receita ainda mais simples que os buggies: um motor de moto, uma estrutura tubular, suspensões de muito longo curso nos extremos da carroçaria e tracção integral. Na edição deste ano das 24 Horas TT de Fronteira, dois destes veículos chegaram a dominar a corrida, sobretudo durante o período nocturno e só ao raiar da aurora a experiência das equipas e a fiabilidade dos buggies franceses, a começar pelo de Alexandre Andrade, levaram a melhor. Ainda assim o Can-Am nº 40 de Rui Carneiro, João Ferreira e dos irmãos Ricardo e Manuel Porem ficou em terceiro lugar. Mais cedo ou mais tarde, um SSV ganhará esta prova. Acreditem no que vos digo.

Um jipe indestrutível… ou quase

Disse-vos que vos contaria esta prova na perspectiva de quem esteve ao volante e, por isso, aqui vão mais algumas impressões. Não faço ideia de como se chama o engenheiro que desenhou a primeira geração do Nissan Patrol GR mas de certeza que era nipónico e sabia do seu ofício. É um jipe, antiquado pelos padrões actuais mas sólido, pisa muito bem e transmite confiança. Era nisto mesmo que pensava altas horas da noite quando guiava à luz do lampião ao longo dos 16 km do terródromo de Fronteira. Aguenta tudo, até dois ou três voos causados por mudanças no piso da pista ou pelas desconcentrações do piloto…

Numerologia, o carro nº 23 tendo como um dos pilotos o totalista das 23 edições da prova, fazendo a 23ª volta ao circuito…

Numerologia, o carro nº 23 tendo como um dos pilotos o totalista das 23 edições da prova, fazendo a 23ª volta ao circuito…

Mário Cardoso

Se, pela parte que me toca, tenho a satisfação de ter estado presente em todas as 23 edições da prova (realizada desde 1997) outros também dão cartas em matéria de veterania nesta prova e no todo-o-terreno em geral. É o caso de Ismael Margarido, piloto de Abrantes que o ano passado publicou um livro cuja leitura vos recomendo sobre a lendária Route 66 dos Estados Unidos: “Por Baixo do Asfalto”. Como todas as obras bem escritas, parte de uma ideia original: um dia, um certo jovem mandou uma carta à estrada e esta respondeu-lhe na volta do correio…

Paus para toda a obra

Ao fintar buracos e valas e desviar-me dos “aviões” pensava que algo de parecido acontece entre mim e a pista das 24 Horas de Fronteira. Apetece-me cantar-lhe uma daquelas canções pirosas, do género “meu amor, sei-te de cor” porque ao fim de duas voltas de turno de condução já actualizei o registo mental de todas as armadilhas, zonas rápidas e segredos do traçado.

Em 23 edições foi, para mim, a corrida mais dura, feita de superação, como a de uma equipa do Campeonato de Portugal que defrontasse o Bayern de Munique e conseguisse dar luta. Tudo nos aconteceu: ao finalizar o carro, descobrimos tarde de mais que a caixa de velocidades, acabada de reparar, não engrenava a quinta, coisa que – estimado leitor – faz uma falta dos diabos nas zonas rápidas, para além de não dar grande de saúde ao motor. Depois foram percalços à porta das verificações com uma tubagem de gasóleo. Problemas de servo-freio nos treinos. Novos problemas com a alimentação de combustível a meio da noite. O diferencial dianteiro a entregar a alma ao criador a meia hora do fim. E isto com apenas três pilotos na equipa (Armando Coelho e João Diogo Santos, alem do autor destas crónicas) que fizeram disso mesmo, de mecânicos, aguadeiros, estafetas ou assadores de febras.

Cansa como tudo mas dá um prazer dos diabos e se me chamasse Alexandre Andrade e tivesse, como ele, ganho a prova, não estaria mais feliz. Por isso, chegar em 44º e ter feito 62 voltas (contra 118 do vencedor) sabe a pódio. Os nossos vizinhos de boxe espanhóis que tinham um carro doutra galáxia, um Bowler Wildcat como os do Dakar olhavam para nós e diziam: “Mira os niños do Patrol. Vêm à box, limpam os faróis e o para brisas, apertam as rodas e dez minutos depois já estão a rodar outra vez. Aquilo é que é…”.

(Para consultar a classificação final das 24 Horas TT Vila de Fronteira vá a http://24horastt.cronobandeira.com)

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