Quem assista à chegada das 24 Horas TT de Fronteira, organizadas pelos ACP e realizadas entre 25 e 28 de novembro de 2021, fica com uma ideia da dureza da prova e do esforço pedido ao material. Há carros que mostram de forma evidente os sinais de despistes ou capotanços. Outros fazem barulhos inquietantes quando passam pelo público.
Sofre-se na box e ao volante.
Para quem está de turno, a guiar, é a constatação de que o carro já não trava nada de jeito. E as mudanças tendem a arranhar, enquanto a suspensão suspende pouco. Olha-se para o ponteiro da temperatura do motor como o náufrago para a bóia. Guia-se como se o carro corresse o risco de se desfazer a cada curva o que não é totalmente mentira.
Nas últimas horas da corrida até os pilotos da frente levantam o pé e a corrida passa a ser de mera gestão, excepto para aqueles que ainda almejam um lugar no pódio ou uma vitória na respectiva categoria. Foi assim que um dos “aranhiços” que chegara a andar no topo da corrida entregou a alma ao criador a meio da manhã, enquanto outros concorrentes tinham encontros íntimos com as vedações ou os canaviais…
Nas boxes roem-se as unhas à espera de ver passar o carro na recta da meta, ainda que o sistema de localização Anub instalado em todos os carros este ano, permita segui-los em tempo real num smartphone ou num computador. A intendência não ganha só guerras, também ganha corridas. Ter uma anilha especial, uma lata de óleo ou uma bomba de água na palamenta pode fazer toda a diferença, seja para o nosso próprio carro, seja para emprestar aos adversários em aflições, porque numa corrida como esta ainda há muita entreajuda.
Contas e mais contas
Fazem-se contas e mais contas. Ao gasóleo do último abastecimento e à média estimada do carro. Ao número mínimo de voltas para garantir a classificação ou à distância que nos separa dos adversários mais próximos.
Onde não pode haver deslizes é na meia hora do final da corrida. A entrada para as boxes é fechada, o que significa que qualquer problema mecânico
que porventura ocorra terá de ser resolvido com os meios de bordo. Portanto o último a ir para a pista não é o que guia mais depressa ou o que poupa mais o carro mas aquele que tiver mais jeito para a mecânica …
Homenagem ao mecânico desconhecido
Podemos não ter o melhor carro, muito menos o mais rápido. Mas temos na nossa equipa dois dos melhores mecânicos num raio de 500 km e que também conduzem, tão bem ou melhor que alguns pilotos cheios de galões. O Armando Coelho consegue resolver seja que problema mecânico for desde que tenha uma navalha, arame e câmara-de-ar. O João Diogo Santos prova que as leis de Mendel permanecem actuais: é o digno descendente desse mecânico lendário do TT que é o seu pai, João Pedro.
A cinco minutos do final da corrida, é a angústia do guarda-redes no momento do penalti porque não basta ter rodado nas 24 horas anteriores: é preciso cortar a meta com o carro a trabalhar…. Quem chega ao fim, festeja como se tivesse ganho o campeonato do mundo quando, na realidade, passou um dia e uma noite a disputar a liga dos últimos…