Disse-vos em crónica anterior que uma prova de resistência como as 24 Horas TT Vila de Fronteira se assemelha a um play-off de acesso à Liga dos Campeões: há sucessivos obstáculos no caminho só para conseguir poder competir com os outros adversários. Ultrapassada uma série de contratempos, o nosso respeitável Nissan Patrol GR apresentou-se na grelha de partida (seis dúzias de viaturas) e fê-lo na melhor das posições, ou seja numa das últimas filas, com vista desafogada sobre a molhada que se forma mal acende o esperado semáforo verde.
Escrevi-o há uns anos e mantenho essa ideia: uma largada destas é como estar no Marquês de Pombal às seis e meia da tarde, rodeado por motoristas de TVDE, entregadores de pizzas, estafetas e outros artistas do volante. A física aplicável não é a newtoniana mas a quântica: dois corpos podem ocupar o mesmo espaço, ainda que transitoriamente e pode-se mudar de dimensão, ou seja fazer das bordas da pista ou dos taludes portais para aparecer do outro lado da galáxia que é como quem diz à frente de meia-dúzia de adversários.
Nada disto é decisivo uma vez que a corrida dura 24 horas e é mais importante não amolgar a lata que fazer brilharetes no arranque. Tal como um harmónio gigante, o pelotão começa a esticar e durante uma ou duas voltas conseguimos rodar descansados, sem ninguém à frente nem atrás.
O mistério das pedras parideiras
Uma das coisas que começa a suceder à medida que as horas de prova passam é um mistério da geologia. Afinal, não é só na serra da Freita que há pedras parideiras. Do piso da pista, onde na véspera só havia terra lisa começam a brotar pedregulhos que nem cogumelos depois de uma chuvada. E, numa ilustração prática da Lei de Murphy, surgem do nada no pior sítio possível, seja em curva naquilo que seria a trajetória ideal, seja a seguir às lombas cegas, seja no remate dos sulcos abertos pela passagem de sucessivos concorrentes.

A solidão transitória do jornalista ao volante, ao fundo da recta da meta
Mário Cardoso
A partir das cinco e meia da tarde caiu a noite, escura que nem breu. Nas próximas 12 horas guiar-se-á à luz do farol. Por muito boas que sejam as
luzes do carro, nem sempre se consegue distinguir um rego de uma sombra ou uma cratera sem fundo de um buraco menor. A noite, como vos contarei em próxima crónica, é o momento alto destas 24 Horas TT Vila de Fronteira. Quem souber gerir a condução no negrume total, provavelmente agravado por bancos de nevoeiro, fica com os seus objectivos praticamente alcançados, sejam estes ganhar ou, como no nosso caso, chegar ao fim.
Se a corrida acabasse antes da hora de jantar, o domínio dos buggies franceses e dos SSV (vulgo aranhiços) seria total. Têm alternado no comando o Fouquet da equipa Francis Baloche, tendo a uma volta a equipa luso-francesa de Alexandre Andrade (AC Nissan Proto) e o SSV da equipa portuguesa de Rui Carneiro em Can-Am Rally Raid. Mas ainda há muita volta para dar.