Larguei para a pista à minha hora preferida, ou seja no turno das duas da manhã nas AFN 24 Horas TT Vila de Fronteira. Antes disso o carro padecera de algumas “jipites”, desde um fio da eletro-válvula que cortava a chegada do gasóleo, até um injetor que devia estar com frio e começara a fazer um barulho género bater de dentes.
Mas, para dar um bom presságio, à meia-noite toda a zona alta da pista foi iluminada por um esplêndido fogo de artificio que nos deu uma alma nova, a nós e ao nosso velho Nissan Patrol GR que, se as nossas contas estiverem certas, há-de ser o carro com mais participações nesta corrida. Quanto ao único piloto que é totalista das 19 edições, a modéstia impede-me de escrever o respetivo nome...
Por uma vez na vida as luzes do carro funcionavam lindamente. Bendito o engenheiro eletrotécnico que inventou a iluminação a led. Mesmo assim, com a chuva a cair e o carvão dos escapes dos carros a gasóleo com as goelas muito abertas há alturas em que não se vê por aí além. E se de noite todos os gatos são pardos, numa pista de TT todos os buracos parecem abismos mas alguns ressaltos e lombas não se veem. Donde a possibilidade de um voo, de uma saída para o meio das árvores ou de um capotanço.
Ao fim de tanta chuva, lá começou finalmente a aparecer água nas ribeiras o que além de ser bom para o espetáculo, ajuda a lavar o para-brisas. É de noite que estas corridas se decidem: trata-se de fazer voltas e mais voltas, não importa se mais devagar ou mais depressa. Cada um no seu ritmo. Enquanto os “aviões” passavam por mim, ia dando uma volta de avanço a uma das equipas femininas que ia elegantemente deslizando com o seu Suzuki Jimny, pista força.
Por volta das quatro da manhã a pista parecia um subúrbio de Mossul: carros virados, com rodas arrancadas, a serem rebocados, a deitarem fumo, etc. E o computador mostrava uma coisa extraordinária: em cerca de 60 carros em prova, metade destes estava nas boxes e não devia ser a mudar de piloto.
Voltei à pista por volta das dez da manhã e que diferença! Além de finalmente se ver o serviço como deve ser e se poderem evitar as zonas que mais poderiam massacrar o carro, a “baba” mais escorregadia tinha sido afastada para o lado e o carro fugia bastante menos.
E assim com o Armando Coelho ao volante, ele que divide com o João Pedro Santos o título de melhor mecânico do mundo, lá cortámos a meta, devagar, devagarinho, mas o suficiente para averbar mais uma corrida terminada e tão longe quanto possível dos últimos lugares. Temos a bordo a nossa mascote, a vaca Amélia, pois no futebol como nos automóveis não é só preciso ter talento: a “vaca” ajuda...
Na cabeça da corrida o AC Nissan Proto da equipa luso-francesa de Alexandre Andrade chegou a ver ameaçada a primeira posição pelo Sadev Oryx de Francis Lauille (vencedor do ano passado) mas recuperou e manteve a primeira posição com 105 voltas cumpridas (nós fizemos quase 60 o que diz bem da diferença dos “campeonatos” aqui disputados. A equipa do ex-motard do Dakar Paulo Marques, num protótipo cruzado entre a carroçaria de um UMM e a mecânica de um Toyota, chegou durante a noite a andar pelos lugares do pódio mas a uma hora do fim teve um percalço mecânico que o afastou da luta pelos lugares cimeiros.
Uma prova dura, onde terminaram pouco mais de metade dos 90 inscritos e assim descrita por um piloto francês que acabara de desistir: “Belíssima pista, belíssima organização. Nós é que temos de fazer carros mais fiáveis...”
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