O Partido Socialista (PS) travou a ida do presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, ao Parlamento, para explicar contratos de trabalho que tem vindo a celebrar com as equipas técnicas da seleção portuguesa de futebol, e que desencadearam inspeções pela Autoridade Tributária e Segurança Social e abertura de uma investigação pelo Ministério Público.
O pedido de audição do Bloco de Esquerda foi votado esta manhã, tendo merecido a abstenção do PSD e o voto favorável de todos os restantes partidos, mas esbarrou nos socialistas.
O Expresso perguntou ao deputado socialista Miguel Cabrita as razões para não permitir a audição do presidente da FPF, mas, até ao momento, não obteve resposta. Mas, segundo a deputada Mariana Mortágua, um dos motivos avançados pelos socialistas é que “há setores que não são prioritários ouvir no Parlamento”.
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Numa declaração aos jornalistas, Mariana Mortágua lamentou o desfecho da votação, mas garantiu que o partido não vai desistir das suas pretensões. A deputada começou por lembrar que “a FPF é uma entidade de utilidade pública” e, por isso, “tem de prestar esclarecimentos ao Parlamento e, sobretudo, garantir ao país que nenhum contrato daqui para a frente irá promover qualquer fuga aos impostos”, como alegadamente aconteceu com o caso de Fernando Santos e a sua equipa técnica.
Para o partido, ouvir Fernando Gomes era não só razoável, como “um dever de transparência”, mas o PS não acompanhou o entendimento. Miguel Cabrita, em representação dos socialistas, terá apresentado “argumentos que não são legítimos”.
“Por um lado, dizendo que se trata de um caso concreto , coisa que não é verdade. Não estamos a avaliar um caso concreto, estamos a avaliar as práticas da FPF, e a garantir que elas não se mantêm no futuro”. Depois, dizendo que “queriam ouvir a Autoridade Tributária”, o que, diz a deputada, não faz sentido, porque a AT, ao abrigo do sigilo fiscal, não fala de casos concretos. E, em terceiro lugar, “dizendo uma coisa ainda mais grave: que há setores que não são prioritários ouvir no Parlamento, ou que não devemos ouvir já no Parlamento. Nós rejeitamos esta interpretação de que o futebol está acima de qualquer escrutínio”, afirmou.
O pedido de audição da Federação Portuguesa de Futebol deu entrada na passada semana no Parlamento, para forçar Fernando Gomes a prestar esclarecimentos sobre os contratos de trabalho celebrados durante a sua liderança, e sobre os quais tem vindo a recusar detalhes.
Fernando Gomes tinha assumido no tribunal arbitral a responsabilidade pelo contrato celebrado em 2014 com Fernando Santos, e lançou o Fisco no encalço do antigo selecionador e respetiva equipa técnica, mas, desde então, tem-se remetido ao silêncio.
Mais recentemente, recusou-se a esclarecer ao Expresso a forma de contratação de Roberto Martínez. Até ao momento, não se sabe se o selecionador espanhol assinou um contrato individual de trabalho ou uma prestação de serviços a titulo individual, ou se enveredou pelo mesmo modelo exigido ao seu antecessor (a existência de uma empresa através da qual é remunerado o conjunto da equipa técnica).
A primeira versão arrisca colocar o Fisco no encalço do ex-selecionador da Bélgica, como aconteceu com Fernando Santos. A segunda opção será um sinal de validação da sentença do tribunal arbitral a condenar Fernando Santos, mas que ainda não transitou em julgado.
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As pretensões dos bloquistas morrem, contudo, nas mãos do PS, que mantém uma posição alinhada com a do Governo.
Ao Expresso, em novembro, a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, liderada por João Paulo Correia, disse não ter desencadeado quaisquer diligências para averiguar as implicações do caso porque “o assunto em concreto está, como se sabe, a ser tratado pela Autoridade Tributária, organismo do Estado com competência em matéria fiscal”.
Questionado também sobre se o estatuto de utilidade pública da FPF pode ser posto em causa, o gabinete de João Paulo Correia remeteu para o trânsito em julgado da sentença.
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Depois de ter sido condenado pelo tribunal arbitral a pagar IRS sobre os rendimentos que recebeu da FPF, Fernando Santos, “absolutamente convencido” de que está certo, e que o que fez é “perfeitamente normal”, recorreu ao Tribunal Central Administrativo do Sul e ao Supremo Tribunal Administrativo.
A Autoridade Tributária avança com novas correções de imposto, a Segurança Social está a olhar para o caso e o Ministério Público que, como o Expresso avançou, abriu um inquérito para averiguar se houve algum crime de fraude fiscal.
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No Parlamento, o Bloco de Esquerda garante que “não desiste”. “Pareceu-nos que seria possível obter um voto diferenciado se, em vez da Comissão de Orçamento e Finanças, este requerimento fosse apresentado na comissão que trata as questões do desporto. E iremos tentar apresentá-lo, com exatamente o mesmo objetivo”, garantiu Mariana Mortágua.