Elnaz Rekabi, atleta iraniana de escalada, quebrou as regras do rigoroso regime do seu país numa prova realizada em Seul, na Coreia do Sul. Rekabi competiu sem o hijab, com o cabelo completamente visível, o que constitui uma ofensa à lei dos aiatolas e que alguns terão visto como mais um dos muitos protestos das mulheres iranianas pelos seus direitos nos últimos tempos.
No entanto, segundo declarações da atleta, poder-se-á ter tratado de uma questão prática. Já em 2016, em entrevista à “Euronews” francesa, Rekabi reconheceu que o hijab poderia ser incómodo durante a escalada: “No início era um pouco estranho para as outras atletas, que estavam curiosas acerca de uma rapariga usar um lenço na cabeça e os braços e as pernas cobertos enquanto escalava sob uma temperatura tão elevada”.
Rekabi prosseguiu: “Obviamente que, quando está quente, o hijab torna-se um problema. Durante a competição, o nosso corpo precisa de libertar o calor. Mas tentámos criar um equipamento que respeitasse o hijab e fosse compatível com a prática da escalada”. Aparentemente, as tentativas não foram bem-sucedidas, ou Rekabi retirou o tradicional pano que lhe cobria o cabelo por outros motivos.
O site “Iran International” garante que a desportista, de 33 anos, tomou a decisão de retirar o hijab de propósito, simbolicamente, em solidariedade para com os manifestantes anti-governo e contra a obrigatoriedade do uso de hijab. A mesma fonte informa que têm estado a ser preparadas várias manifestações de apoio a Rekabi.
O que está a preocupar os amigos da atleta é o facto de ela ter deixado de estar contactável desde domingo, após a participação no torneio. À “BBC” persa, pessoas próximas de Elnaz mostraram-se temerosas do que possa ter acontecido à amiga, em consequência do seu ato. O órgão de comunicação britânico citou “fontes bem informadas” que garantiram que o passaporte e o telemóvel de Rekabi foram confiscados.
O “Iran Wire”, um pequeno órgão anti-regime de Teerão, deslocou-se à embaixada iraniana em Seul para garantir que Rekabi podia regressar a casa sem que fosse escrutinada. Uma fonte do site terá informado que Elnaz iria viajar para a capital da antiga Pérsia um dia antes do previsto – esta terça-feira – para enganar possíveis manifestantes que estivessem a preparar um protesto no aeroporto. O “The Guardian” tentou confirmar, sem sucesso, os relatos.
Já esta terça-feira, a embaixada confirmou, no Twitter, que Rekabi “partiu de Seul, com destino ao Irão, na madrugada de 18 de outubro de 2022, com os outros elementos da equipa”. “A Embaixada da República Islâmica do Irão na Coreia do Sul nega veementemente todas as notícias falsas e desinformação sobre Elnaz Rekabi”, pode ler-se.
A apresentadora iraniano-britânica da “BBC”, Rana Rahimpour, escreveu, também na sua conta do Twitter e esta terça-feira, que Rekabi se encontrava num avião com destino a Teerão e que existe “preocupação com a sua segurança”. O governo do país negou que a atleta tenha sido detido ou obrigada a regressar ao Irão.
Os organizadores do Campeonato Asiático e a Federação Internacional de Escalada Desportiva foram contactados, não havendo, até ao momento, qualquer comentário da parte de qualquer das entidades.
O ano passado, Rekabi tornou-se a primeira mulher a conquistar uma medalha nos Mundiais de Escalada. No último fim de semana, ficou no quarto lugar na competição sul-coreana. O vídeo de Elnaz a escalar com o cabelo apanhado num rabo de cavalo foi amplamente divulgado pelos média e na internet.
Após a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, detida pela polícia moral por não usar um hijab, o Irão tem sido inundado por manifestações e protestos a favor do respeito pelos direitos das mulheres em várias cidades do país. O grito de revolta que mais se tem ouvido nas ruas do país – em Teerão, especialmente – é “Zan, Zendegi, Azadi”, que significa “Mulher, Vida, Liberdade”.
A pugilista Sadaf Khadem foi a primeira mulher iraniana depois da revolução islâmica a vencer um combate fora de casa, em 2019. Na altura, Khadem lutou com o cabelo visível e de calções, o que lhe terá valido um mandato de detenção por parte das autoridades do Irão. A atleta optou por ficar em França.