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“Espero que me respeitem: sou gay”, escreveu Iker Casillas no Twitter. Entretanto, apagou a mensagem e disse que foi “hackeado”

A mensagem foi publicada na conta oficial do ex-guarda-redes, retirado em 2020, quando jogava no FC Porto. Cerca de hora e meia depois foi apagada da rede social onde conta com 9,6 milhões de seguidores. A ser verdade, Iker Casillas seria o antigo ou atual futebolista de maior renome a assumir publicamente a homossexualidade, mas, mais de duas horas depois, pediu desculpas e revelou que a sua conta foi “hackeada”

Diogo Pombo

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Ter uma plateia já não depende de púlpitos, coliseus ou arenas, a possibilidade de haver um megafone não filtrado à frente de qualquer coisa que uma celebridade queira dizer está na palma da mão, à distância de uma rede social. Às 13h10, no Twitter, os mais de 9,6 milhões de seguidores contabilizados na conta de Iker Casillas receberam uma publicação. “Espero que me respeitem: sou gay. #felizdomingo”, lia-se. Em menos de uma hora, a mecânica viral da qual se alimenta a plataforma engrenou, com a mensagem a ser partilhada mais de 60 mil vezes.

Dentro da primeira hora contada após a dita publicação, nenhuma das restantes contas oficiais do antigo guarda-redes replicara a mensagem, ou tiveram alguma de teor semelhante. No Instagram, o espanhol tem 18,4 milhões de seguidores, no Facebook são 27 milhões, números gerados por uma carreira estelar que, mesmo mantendo-se parco em entrevistas e parcimónio no que desvendava nessas redes sociais, justifica tais aglomerados: ganhou tudo o que todo o futebolista sonha vencer, incluindo três Ligas dos Campeões com o Real Madrid, dois Europeus e um Mundial com a Espanha entre os 24 títulos que somou.

Os últimos foram com o FC Porto, onde um enfarte do miocárdio que sofreu durante um treino, em maio de 2019, lhe precipitou o final da carreira cerca de um ano antes de realmente o confirmar, com uma candidatura à presidência da Federação Espanhola de Futebol. Resumindo a intensa luz dos holofotes que sempre incidiu sobre Iker Casillas - terá sido dos melhores guarda-redes de sempre, certamente foi dos que reuniu maior sucesso, sendo uma figura respeitada, ponderada e unânime na admiração que granjeia.

Pouco depois da referida publicação no Twitter, outra alta figura do sucesso do futebol espanhol neste século colou a sua reação à mensagem. “É momento de contar o nosso, Iker ❤️😘”, escreve Carles Puyol, outros dos capitães da seleção de Espanha que reinou durante quatro anos e também vencedor de Ligas dos Campeões, pelo Barcelona. A reação do igualmente retirado jogador pareceu conferir validade ao anúncio que, depois de o espanhol apagar do Twitter, atribuiu a um ataque informático.

“Conta hackeada. Por sorte, tudo em ordem. Desculpas a todos os meus followers. E, claro, mais desculpas à comunidade LGTB 🙏🏻”, escreveu, pelas 15h36, logo desencadeando reações em pessoas a quem este tema é sensível, ainda mais no mundo do desporto e, especialmente, no futebol, onde ainda é raríssimo ver um jogador a assumir a homossexualidade.

Apenas em outubro de 2021 se viu o primeiro profissional no ativo avançar: Joshua Cavallo, então com 21 anos, do Adelaide United, fê-lo através de um vídeo publicado pelo clube nas redes sociais. Mais tarde, o australiano revelaria que recebeu ameaças de morte nessas mesmas plataformas e ouviu insultos gritados por adeptos de clubes adversários, nos estádios. “Na altura, fiquei desapontado, mas agora vejo-o como momentos para todos crescermos. Como atleta profissional, claro que te afeta e não é uma boa sensação. Mas quero aumentar a consciencialização e mostrar que não é ok fazer isto, independentemente de quais são as tuas convicções”, explicou, já este ano, em entrevista ao site “Goal”.

Pouco depois de Casillas justificar o sucedido com um ataque de hackers, Joshua Cavallo criticou-o também no Twitter: “Fazer piada e brincar com assumir a homossexualidade no futebol é desapontante. É uma viagem difícil que qualquer pessoa LGBTQ+ tem de fazer. Ver lendas e os meus modelos a seguir no futebol gozarem com o ato e a minha comunidade é para lá de desrespeitoso”.

Em maio deste ano, Jake Daniels, avançado do Blackpool que cometia no Championship, a segunda divisão de Inglaterra, sucedeu ao australiano e tornou-se o primeiro a assumir-se como gay no futebol britânico. Antes deles, apenas Justin Fashanu, em 1990, revelou publicamente a sua homossexualidade, mas, em 2020, a fundação criada em seu nome por familiares publicou uma carta anónima de um jogador da Premier League, revelando ser “impossível” assumir-se no contexto atual do futebol profissional, sentindo-se “encurralado” e, por vezes, a viver “um verdadeiro pesadelo”. Se o filtro for alargado a jogadores já retirados, os casos continuam a ser muito raros e o de maior perfil terá sido Thomas Hitzlsperger, internacional alemão que assumiu a homossexualidade em 2014, cerca de um ano após a ‘reforma’.

Nesse contexto se incluiria Iker Casillas, com o acréscimo de ser o futebolista de maior renome a ter a coragem de o fazer.

Mas, cerca de hora e meia após a publicação da mensagem no Twitter, a mesma seria apagada. As contas nas restantes redes sociais permaneciam impávidas e jornais como o “El País”, o “El Mundo” ou o “El Confidencial”, além dos desportivos “Marca” e “As”, mantinham-se sem noticiar sobre a escrito na página do ex-guarda-redes. A primeira notícia a sugerir uma alegada explicação do sucedido apareceu na ‘Tikitakas’, site do “As” dedicado ao tipo de conteúdos de que Iker Casillas começou a ser um alvo preferido desde a final do Mundial de 2010, quando, durante uma flash interview, beijou Sara Carbonero, então jornalista e sua namorada.

Ter a vida pessoal e privada a ser alvo de seguimento, atenção, fotografia e escritura de artigos para pessoas que não o conhecem verem, só por ser um futebolista - ou ator, dirigente político, ou empresário, etc. - de sucesso, prática que socialmente se tornou aceitável sabe-se lá porquê, será o que levou Casillas, escreveu o tal site sensacionalista, a “ironizar com o objetivo de os meios de comunicação deixarem de filtrar falsas informações” sobre os seus supostos namoros recentes. Há cerca de um ano, o espanhol terminou a sua relação com Carbonero e esses rumores têm crescido desde então.

A justificação que precedeu a real justificação apresentada por Casillas surgiu no meio de uma história em que se desconhece a verdade, e quer seja factual ou uma brincadeira, incide sobre um tema por demais sensível e crucial na sociedade, onde a aceitação da diferença ainda é um conceito desconhecido para tanta gente.