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“O nosso Uwe” Seeler, um dos maiores jogadores do futebol alemão, morreu aos 85 anos

“O nosso Uwe” Seeler, um dos maiores jogadores do futebol alemão, morreu aos 85 anos
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Vestiu a camisola do Hamburgo a vida toda, com exceção para um jogo único pelo Cork City que achou que era um amigável, e foi um dos grandes goleadores da Alemanha. Foi o bomber antes do vulcânico surgimento do bomber Gerd Müller, com quem jogou lado a lado no Campeonato do Mundo de 1970. Uwe Seeler, capitão da seleção de 1966 e ex-presidente do clube do coração, é lembrado pela camada humana e humilde que nunca perdeu

O pé direito de Uwe Seeler está eternizado nas imediações do estádio do Hamburgo, o palco verde onde ganhou nome. A escultura é enorme e está a pisar a relva. As veias dão-lhe vida e um sentido de urgência qualquer. A gratidão funciona assim. É que o homem que sabia marcar golos como poucos era um prodigioso filho da terra, digno e sereno, mas também de Erwin Seeler, um futebolista renomado que jogava no clube. A humildade e a postura respeitosa, que lhe valia a ternurenta alcunha “o nosso Uwe”, encantavam as gentes da cidade e ele entranhou-se nelas. Esta quinta-feira, Uwe Seeler morreu aos 85 anos.

O estatuto de semideus em Hamburgo, onde apenas ganhou uma liga e uma taça, deveu-se sobretudo aos mais de 400 golos em 476 jogos. Antes de Gerd Müller, o encantador de balizas foi Seeler. O avançado começou nas camadas jovens do clube, com apenas 10 anos, e subiu por aí acima até se transformar no maior caso sério da história da instituição. Seeler foi o grande goleador do campeonato da Alemanha Ocidental entre 1956 e 1962. Em época de estreia, imagine-se, marcou 28 golos em 30 jornadas. Mais tarde, em 1963/64 foi inaugurada a Bundesliga – o Hamburgo era um dos fundadores – e Uwe Seeler foi celebrado como o primeiro goleador da prova, com 30 golos (ainda é o melhor marcador da história do clube na moderna versão da liga alemã, com 137 golos).

À seleção, onde teria a braçadeira (seria também nomeado capitão honorário, em 1972) e marcaria 43 golos em 72 internacionalizações, chegou com apenas 17 anos. A certa altura, o selecionador Sepp Herberger encontrou-se com a família para falar sobre o irmão de Uwe, Dieter, que também já jogava no Hamburgo. A mãe, Anni, terá dito “espere até ver o pequenino”, conta a revista “These Football Times”.

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Aos jogos menores seguiram-se os grandes eventos. O alemão e Pelé foram os primeiros futebolistas a marcar golos em quatro edições dos Campeonatos do Mundo, algo imitado por Cristiano Ronaldo em 2018. Brasileiro e germânico coincidiram aliás entre os Mundiais de 1958 e 1970, período em que começaria a pontificar Franz Beckenbauer. A Mannschaft, curiosamente e para desgraça de Seeler, conquistou aquele tão especial troféu em 1954 e 1974. Com a camisola 9, o baixote e mortífero bomber de branco e preto, ajudou o seu país a alcançar a final do Campeonato do Mundo de 1966, em Inglaterra, mas os homens da casa acabaram por ser mais felizes.

Pelo meio, depois do Mundial de 1962, o Inter de Milão de Helenio Herrera fez uma proposta importante ao jogador. Depois de refletir e de ouvir algumas opiniões, tendo até recebido supostamente uma carta do diretor da Universidade de Hamburgo a sugerir que resistisse à tentação, preferiu ficar na Alemanha, ganhando ainda mais admiração e dimensão.

Em 1970, o povo alemão conheceu a dupla explosiva Seeler-Müller, que fez 13 golos naquele mês de junho, sendo que Gerd, também já desaparecido, fez 10 deles. Uwe, que tinha quase mais 10 anos do que o novo génio do golo, manteve a camisola 9.

Gerd Müller e Uwe Seeler
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Seeler, embusteiro de marcações e rematador poderoso, jogou pela última vez pelo seu querido Hamburgo em maio de 1972. Mais tarde, seria presidente do clube (1995-1998). Das muitas referências que existem ao grandíssimo futebolista, o homem não fica atrás. Era pacato e passava ao lado do circo mediático. Só numa tarde da sua vida é que mudou de camisola, quando jogou pelo Cork City, em 1978, supostamente num amigável na derrota por 6-2 contra o Shamrock Rovers. O então ex-futebolista, que interrompeu a reforma, até marcou os dois golos, mas não sabia que não se tratava de uma brincadeira. "Eu pensava que era um jogo de exibição em Cork e fiquei surpreendido por haver pontos para a liga em disputa. Eu já estava muito velho, mas ainda assim foi uma boa experiência", admitiu muito tempo depois.

A estátua, a tal do pé com veias, urgente e fatal, foi erguida em 2005. Há uma fotografia em que Uwe Seller surge sorridente e sentado num dos dedos. Era como se estivesse em cima de um manual de História gigante e irresistível.

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