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Os desempenhos do videoárbitro são catastróficos? Deixo 13 dicas para o VAR não dar azar (por Duarte Gomes)

Levantando um bocadinho do véu: especialização, comunicação, treino, spotter, duplas de trabalho. As sugestões de Duarte Gomes, antigo árbitro e analista, que diz que o “veredito popular” é duro e deve ser difícil de ouvir, mas isso não significa que deva ser ignorado. Antes pelo contrário

Duarte Gomes

IAN KINGTON

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Em Inglaterra começa-se agora a fazer contas a uma época "catastrófica" (palavras deles) no que diz respeito à utilização do videoárbitro. Uma sondagem recente revelou que a maioria dos jogadores, técnicos e dirigentes estão insatisfeitos com o uso da ferramenta. Igual opinião têm vários jornalistas, comentadores e público em geral.

Por lá, a perceção é muito simples: o VAR não está a ajudar tanto como podia e, em vários momentos, contribui negativamente para o processo de decisão. O "veredito popular" é duro e deve ser difícil de ouvir, mas isso não significa que deva ser ignorado, pelo contrário. É importante aceita-lo. Afinal de contas, essa corrente de opinião - transversal e quase unânime - expressa a voz do todo. E quando o todo fala, mando o bom senso que a parte escute.

A pequena-grande diferença face a outras realidades é que, por lá, estão menos focados em dissecar, arrastar e dramatizar o problema e mais orientados para a sua solução. Como?

A Premier League está em vias de questionar os seus clubes sobre o que devia mudar na videoarbitragem. Querem saber as suas queixas e, acima de tudo, conhecer as suas ideias e propostas.

Este é o foco certo, porque a arbitragem não é apenas da arbitragem. É do jogo.

Se analisarmos esta questão pela base, percebemos que ela só surge por força de uma ilusão (quase) transformada em desilusão. A expetativa inicial que existia em relação à videoarbitragem "não casou" com os resultados produzidos até à data.

Sem prejuízo da sua mais-valia (indiscutível) e das excelentes decisões já tomadas (inequívocas), a verdade é que o uso adequado desta tecnologia podia ter evitado, lá como cá, duas ou três mãos cheias de erros claros, óbvios e evidentes.

E é aí, nesses momentos de falha, que a dicotomia "homem/tecnologia" perde a sua vitalidade e credibilidade.

A desvalorização do acerto face ao erro é algo enraizado na cultura desportiva vigente. Historicamente a arbitragem nunca foi medida pelo que faz de bem, portanto não seria de esperar que o fosse agora, num contexto de histeria coletiva face a cada lance ou frame discutível.

Nesta altura e passados alguns anos sobre a sua introdução, não faz sentido falar em dores de crescimento, porque as dores de crescimento não duram para sempre.

O ponto de maturação chegou e o importante é dar o passo seguinte. Mudar o que está mal, limar o que está menos bem e ousar em fazer mais. Em fazer diferente.

Que reflexões podem então ser feitas nesta matéria? Algumas dicas:

- Criação de um quadro de "VAR Especialista", com árbitros no ativo que abdiquem de dirigir jogos (temporária ou definitivamente) e ex-árbitros (que tenham abandonado a carreira recentemente sem ser por despromoção);

- Criação de um quadro de "spotters" (que ajudassem a detetar situações passíveis de intervenção), formado por ex-jogadores/treinadores profissionais;

- Divulgação do processo de comunicação VAR/árbitro em cada intervenção;

- Melhoria/correção de vários aspetos relacionados com o atual protocolo;

- Treinos específicos para Árbitro/VAR, em sala e campo, de forma a dar mais consistência e uniformidade às decisões.

- Criação, dentro do possível, de "duplas" de trabalho (Arb/VAR), de forma a sistematizar práticas e procedimentos. Uma equipa que se conhece trabalha mais e melhor;

- Processo de revisão acompanhado nos ecrãs gigantes dos estádios (e todos os estádios da 1a Liga teriam que tê-los) e vistos em casa, pelos adeptos, de forma clara, audível e transparente;

- Seleção rigorosa dos técnicos de imagem que acompanham o videoárbitro em sala, porque são fundamentais para a qualidade e celeridade do processo de decisão (têm que ter sensibilidade mínima para o jogo);

- Uso de tecnologia de ponta, que permita melhoria significativa da qualidade das imagens recebidas pelos videoárbitros em sala (é importante ampliar imagens e efetuar slow motions com a máxima definição possível);

- Revisão, nos ecrãs junto ao relvado, de todas as decisões (excepto offside por tocar/jogar a bola): o árbitro deve ter sempre oportunidade de ver o que se propõe alterar. Isso responsabiliza-o, credibiliza-o e dá-lhe tranquilidade;

- Relatórios/conferências imprensa mensais (ou bi-mensais), com data pré-marcada (e não a reboque das circunstâncias), com balanço dos números e factos relativos ao mês/meses em referência;

- Intervenção pública imediata para esclarecimento de situações de exceção: anomalias técnicas ou tomadas de decisão suscetíveis de gerar elevada controvérsia/polémica;

- Repensar a tecnologia subjacente à linha do fora de jogo e sua utilidade atual, face à intervenção humana subjacente ao processo;

É pensar nisto e perceber que tudo o que nasce, cresce. Evolui. Amadurece.