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A casa às costas

“A cidade onde estava no Irão fazia fronteira com o Iraque. Eles diziam: ‘É a mais tranquila do mundo, as bombas saem daqui para lá’”

Ex- jogador de futebol Carlos Fernandes
Ex- jogador de futebol Carlos Fernandes
Nuno Fox

Carlos Fernandes aceitou o convite para integrar a equipa técnica de Luís Boa Morte, selecionador da Guiné, como treinador de guarda-redes e partiu para o país africano logo após esta entrevista para o Casa às Costas, onde falou do seu curto regresso ao Boavista, das aventuras que viveu no Irão e na Turquia, da não convocatória para a seleção A portuguesa que o levou a optar por representar a sua congénere angolana. Fala-nos também de algumas mágoas, da dificuldade em pôr um ponto final na carreira de guarda-redes e da ajuda psicológica que foi crucial para criar um plano B para a sua vida

Quando regressou ao Boavista em 2007/08, foi Jaime Pacheco que o chamou?
Sim. Só que no Boavista, nesse ano, fiquei quase 10 meses sem receber. O meu problema no futebol foi esse, os clubes por onde passei, quase todos ficaram a dever-me. Do Felgueiras não recebi, do Amora recebi graças ao Evangelista, porque fomos a tribunal. Por estar 10 meses sem receber no Bessa é que decido ir no último mês para o Irão.

Quem o convida para o Foolad FC do Irão é o Augusto Inácio?
É. E o dinheiro. Faltava-nos um jogo para acabar o campeonato, contra o Sporting, e o Inácio queria que eu fosse ao Irão fazer dois jogos para subirem de divisão, era uma fase final, mais o jogo da meia-final da Taça e, se passasse, a final. Portanto, a possibilidade era fazer quatro jogos. Pagavam bem, aceitei. Custou-me. Tive muito medo de ir e quando aterrei quis vir embora.

Porquê?
Aquilo era assustador. Via-se fogo a sair da rua, do chão, era só mesquitas, pessoas muito esquisitas e complicadas. No aeroporto é o fim do mundo, veem tudo o que tens na mala. É assustador. Em Teerão, passei a noite num hotel antes de seguir para a cidade onde ia ficar. O melhor hotel deles era um hotel que Deus me livre. O cheiro, aquele cheiro típico deles, fazia-me confusão. No dia seguinte, quando entrei no avião para ir para a minha cidade, tinham galinhas e malas, tudo ao monte, parecia um autocarro.

Como foi quando chegou ao clube?
Logo para começar, estava no hotel e quando saio para o carro que me ia levar, fui já equipado, de calções, e disseram-me logo: “Aqui não pode andar de calções.” Tive de ir vestir-me. Vou para o treino, eles estavam a receber um prémio de jogo. Há um miúdo que vem a passar, a contar dinheiro, e eu, na brincadeira, para me meter com ele, tirei-lhe o dinheiro da mão. Ele não quis o dinheiro de volta. Tive de ficar à espera que ele fosse para o treino para meter o dinheiro no cacifo dele. Eles são assim. Se dissesse a alguém “que relógio tão fixe”, davam logo o relógio. Mas o mais engraçado é que chego ao Irão e o Inácio é despedido [risos].

Chegou a fazer os quatro jogos?
Fiz. Com os adjuntos dele, que ficaram lá. Eles fecharam-se em casa para não ter de enfrentar o Inácio. Foi o que me contaram. O certo é que eles são os meus treinadores quando lá estou. Subimos de divisão, acabaram por fazer-me uma boa proposta e fiquei lá mais um ano.

Como foi esse ano?
Foi engraçado. Estava a uma hora do Dubai e por isso estava sempre no Dubai. O clube pagava-me o hotel e tudo, no Dubai. Ia lá passar o fim de semana.

Sozinho ou com a namorada?
Estive grande parte do tempo sozinho, depois essa namorada, com quem estive 11/12 anos, foi lá ter. Estava sempre no Dubai, tinha ali as Maldivas também.

Andou a curtir.
Nessa altura já estava mais calmo. Não ia para a noite, nem era pessoa da noite. Gostava de receber em casa. As festas eram todas na minha casa, havia muitos jantares a que ia, mas que acabavam sempre na minha casa. As pessoas têm uma ideia minha, que sou da noite, no entanto, não. Não me sinto à vontade na noite, gosto mais de estar em casa.

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