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A casa às costas

“Não percebo por que motivo um treinador em Portugal não pode dizer que o árbitro esteve mal. Os juízes estão acima da lei?”

Após o início de carreira como treinador-adjunto em Portugal, João Janeiro, foi para os EUA, treinar uma equipa do USL Championship, uma experiência que diz ter sido um “abre-olhos”. Seguiu-se a Hungria, onde começou conseguiu subir uma equipa da III para a II divisão, e logo a seguir meteu dois clubes (Kisvárda e FC DAC) nas competições europeias, antes de iniciar esta época à frente do Debreceni, de onde saiu em setembro, por vontade própria. Há seis meses a viver em Portugal, confessa estar a ser difícil viver no país e diz que os treinadores portugueses caíram numa monotonia de um determinado sistema de jogo

Alexandra Simões de Abreu

NUNO FOX

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Como surgiu a oportunidade de ser treinador no FC Tulsa, dos EUA, em 2018?
Foi no curso da UEFA A, nível III, onde conheci um dos diretores desse clube, que passado uns tempos fez-me a proposta. Fui e adorei os EUA.

Do que mais gostou?
Da cultura desportiva.

Em que aspeto?
Eles são extremamente competitivos. Os treinos eram maravilhosos. Gostei muito da alegria que põem no desporto, têm motivação de ganhar e de serem melhores todos os dias. É mesmo uma questão cultural e mental. Eles querem ser os melhores em tudo, seja no que for. Obviamente não há subidas nem descidas de divisão, mas há campeão. Há o querer ser o melhor da sua conferência, há a Taça.

Mas ao nível de competições internacionais…
De facto não é muito motivante. Há coisas a melhorar como há em todo o lado. Mais tarde ou mais cedo vão adotar um sistema parecido ao europeu. Eu adorei tudo, porque é diferente. Nem consigo explicar bem. Resumo a competitividade que eles têm dentro do balneário, nos jogos, a audiência. Eles vendem o produto como um espetáculo e és obrigado a dar espetáculo. Um treinador que vá para lá a querer ser demasiado defensivo não se vai dar bem.

O que alterava na competição norte-americana?
Aquilo que se calhar mudaria para tornar a coisa um pouco mais apimentada nos EUA seria mesmo as subidas e descidas de divisão porque tudo o resto têm. Sim, é verdade que se calhar precisam de mais know-how, principalmente europeu, no que diz respeito a treino. Para mim foi um choque, algumas coisas extra campo.

Como, por exemplo?
Não fazem refeições juntos. O nível de controlo de nutrição e o estarem juntos, não existe. Mesmo quando às vezes estávamos três semanas a jogar fora de casa, não havia o hábito de comerem juntos. Fui instituindo isso devagar, porque não queria provocar um choque cultural muito grande. Eles são pessoas abertas ao conhecimento, podem estranhar, mas não põe entraves. É uma sociedade ótima porque se baseia na meritocracia, mas se calhar também em demasiado, porque provoca desde uma tenra idade neles uma enorme tensão e pressão. Os jogadores são escolhidos por drafts, de análises feitas durante o ano aos jogadores que jogam nas faculdades. Isso é uma pressão enorme. É uma sociedade que também tem as suas imperfeições. Na Europa existe mais apoio da parte das academias, dos treinadores, dos psicólogos, de toda a gente. Nos EUA tens de ser tu a maioria das vezes a demonstrar que consegues lá chegar, com ou sem ajuda. É uma sociedade mais dura nesse sentido.

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    A casa às costas

    João Janeiro, 41 anos, não é um nome conhecido em Portugal, apesar de, como treinador-adjunto e principal, ter quatro títulos, três promoções e três idas à Europa no currículo. Formado em aeronáutica, foi navegador aéreo e trabalhou em aviões de algumas figuras públicas, como Roberto Mancini e Felipe Massa. Em simultâneo, dedicou-se ao estudo do futebol, em diferentes vertentes, tendo mais de 60 formações tiradas em Portugal e no estrangeiro. Começou como analista de Marcelo Bielsa e foi adjunto de Van der Gaag, no Belenenses, antes de partir para os EUA onde iniciou o percurso de treinador principal. Na I parte deste Casa às Costas revela ainda a visão de quem voltou a viver em Portugal, após vários anos fora