Perfil

A casa às costas

“No Brunei, num treino, deitaram-se todos no chão. Deitei-me também. Passou um enxame de 10 mil abelhas. Chegávamos a ficar 4 minutos assim”

O avançado João Moreira, que vive há oito anos na Nova Zelândia, com uma interrupção pelo meio para jogar em Malta e na África do Sul, conta algumas histórias divertidas do Brunei e explica como tem sido a vida nos antípodas, onde faz trabalho comunitário, ganhou títulos e voltou a ser pai. Também confessa sentir-se frustrado por não ter atingido a carreira que muitos projetaram e o próprio desejava, assim como revela o maior arrependimento da carreira: ter assinado com o empresário Paulo Barbosa

Alexandra Simões de Abreu

Power Sport Images

Partilhar

Quando recebeu a proposta do Brunei, alguma vez tinha ouvido falar do país?
Não. Tive de pesquisar. Descobri que era um país muçulmano. Primeiro fui sozinho e só depois a minha namorada e o meu filho foram lá ter.

Como foram as primeiras sensações e experiências quando aterrou?
O primeiro choque foi com o clima. Eu vinha do inverno em Valência, estava com casacos e quando saio do avião levei com um bafo quente, um calor danado, quase nem conseguia respirar. Tive de despir-me e tirar os chinelos da maleta, fiquei logo a transpirar e com o corpo pegajoso [risos]. Depois, ia a sair do aeroporto e as pessoas, que estavam à espera dos amigos e familiares, ficaram todas a olhar para mim. Acho que não estavam habituadas a ver um negro [risos]. Mas foi só no início. Adorei a experiência no Brunei, foi ótima para limpar a cabeça, porque eu estava muito dececionado, com aquele sentimento de que mais ninguém ia apostar em mim e que já não tinha valor.

Foi ganhar mais dinheiro?
Não pagaram mal e mostraram que me queriam. Uma das pessoas mais importantes do país, o príncipe, ia ver os treinos e estava constantemente a perguntar-me como eu estava e isso foi uma motivação extra para mim. Foi muito positivo.

O que mais estranhou na cultura muçulmana?
Eu não conhecia a cultura muçulmana, não sabia que rezam várias vezes ao dia, nem que, por exemplo, à sexta-feira fecha tudo. Na primeira sexta-feira, estávamos de folga e eu pensei ser bom dia para ir passear ao centro comercial e curtir. Ainda estava sozinho. Peguei no carro e no caminho cada vez que via uma mesquita reparava que havia centenas de carros à porta. Fiquei intrigado, "O que se passa ali?" [risos]. Entretanto, cheguei ao centro da cidade e não havia ninguém, estava tudo fechado. Voltei para casa. Quando fui treinar perguntei aos colegas: "O que aconteceu que não está ninguém na rua?". Eles explicaram-me que é o dia sagrado em que todos vão à mesquita rezar. Era como se o país estivesse fechado. Eu não sabia nada.

Tem mais algum episódio engraçado devido às diferenças culturais?
No primeiro treino, quando cheguei ao balneário para ir para o duche, despi-me e fiquei todo o nu, era o que estava habituado, eles continuaram vestidos, sentados e ficaram todos a olhar para mim, até os fisioterapeutas. "Epá, o que está de errado aqui?" [risos]. Foi toda uma aprendizagem. Passei a ir de toalha ou de boxers, cada vez que aprendia alguma coisa tentava respeitar os seus costumes.

Artigo Exclusivo para assinantes

No Expresso valorizamos o jornalismo livre e independente

Já é assinante?
Comprou o Expresso? Insira o código presente na Revista E para continuar a ler