É natural de Lisboa. Filho de quem?
Nasci em São Sebastião da Pedreira, os meus pais também são de Lisboa, com uma ligação forte ao bairro da Mouraria, nasceram, cresceram, conheceram-se e viveram lá. O meu pai, Fernando Baltazar, trabalhava numa companhia de seguros e jogou futebol na primeira divisão, nos anos 70, no Atlético e no Oriental. Era semi-profissional, treinava à noite e de dia trabalhava. A minha mãe, Adelina Baltazar, era empregada de escritório. Sou filho único.
Cresceu na Mouraria?
Não, os meus pais quando se casaram fomos morar para o bairro da Idanha, em Belas, no concelho de Sintra. Tenho uma ligação forte ao bairro da Mouraria porque passava os meses de verão lá, na casa das minhas avós, fui batizado na Mouraria, na igreja do Coleginho, mas cresci na Idanha.
Qual a primeira memória de infância?
As vivências na Idanha, um bairro que cresceu com o boom de natalidade no pós-25 de abril, em que as pessoas que não tinham possibilidade de viver em Lisboa começaram a ocupar os bairros periféricos de Lisboa e eu fui apenas mais um produto desses bairros periféricos. Lembro-me de uma infância feliz, com centenas e centenas de miúdos a jogar à bola, a andar de bicicleta, saímos de casa às nove da manhã e só aparecíamos à noite.
Foi uma criança calma ou deu muitas dores de cabeça?
Muito calminho. Talvez por ter sido filho único, era muito introvertido, com algumas dificuldades em socializar quando era mais pequenino, Os meus pais até me diziam: “Vai para a rua, vai brincar com os outros miúdos”. Resisti um bocadinho, mas a partir dos 10, 12 anos, lá meu deu o clique e comecei a ir para a rua e a fazer amizades que ainda hoje perduram.
Da escola, gostava?
Licenciei-me, mas não fui um grande aluno, fui sempre algo preguiçoso, era sempre o "qb" para ir passando. Estudei sete anos anos no colégio Moderno, no Campo Grande, chumbei no sétimo e fui para o colégio Vasco da Gama, onde as minhas filhas andam atualmente. Fiz o secundário na escola pública na Portela de Sintra, porque já jogava no Sintrense.

Bruno Baltazar, em criança, na escola primária
D.R.
Qual é a história da infância que ainda hoje é recordada nos encontros de família?
Tenho um episódio, devia ter uns seis, sete anos, em que os meus pais, um grupo de amigos e família foram almoçar a Paço de Arcos e, não sei o que me deu na cabeça, mas resolvi esconder-me debaixo de um barco. Desapareci e lembro-me que dava-me um gozo enorme ver a aflição de toda a gente à minha procura, sentia-me super importante. Até que percebi que as pessoas estavam mesmo muito aflitas à minha procura e apareci. Levei um raspanete daqueles [risos].
O que dizia querer ser quando fosse grande?
Cresci num ambiente de desporto, o meu avô foi júnior no Benfica, o meu pai jogou futebol, a minha tia fez atletismo pelo Benfica, portanto a família sempre teve muita ligação ao desporto, mas recordo-me de ser pequeno e adorar tudo o que tivesse a ver com arqueologia, descobrir e desenterrar tesouros, coisas antigas. Vi o Indiana Jones dezenas de vezes, sabia as falas. Um dia mais tarde, o meu falecido avô tinha uma quinta e umas hortas nos arredores de Lisboa e eu adorava andar na terra, adorava sujar-me. Tinha cinco colmeias e houve uma altura em que também gostava de ser engenheiro agrónomo [risos].
O futebol era por enquanto um divertimento de rua?
Sim, jogava na rua, com duas pedras a fazer de baliza. Sempre fui apaixonado por futebol na rua. Os torneios organizados no bairro foram a minha primeira experiência, no Grupo Bandolinista 22 de Maio, da Idanha, que tinha uma equipa do antigo futebol de salão, que já não se joga.
Começou a jogar futebol de salão com quantos anos?
Com 12, 13 anos. Depois fui à experiência aos iniciados do Agualva-Cacém, não fiquei. Estava cheio de vergonha, cheio de problemas de estar no balneário, fazia-me confusão porque era um miúdo algo introvertido. Não fiquei nos iniciados do Agualva-Cacém, e aquilo foi um trauma, foi um baque enorme na minha infância, disse que não queria jogar mais, que só jogava no bairro com os amigos. O meu pai ficou desiludido porque jogou futebol e foi também treinador na distrital, mas deu-me o espaço e o tempo que eu precisava.
Ainda viu o seu pai a jogar futebol?
Não. Ele foi treinador-adjunto do Atlético e no Agualva-Cacém também na distrital, as únicas referências que tenho do meu pai são a treinar. A jogar, infelizmente, nunca vi.

Com os pais, Fernando e Adelina Baltazar
D.R.
O futebol foi a única modalidade que praticou?
Não. Fiz natação no Sporting, era sócio e tudo, porque estudava no Campo Grande, era ali próximo. Tinha uns seis, sete anos. Mas quando começou a haver um pouco mais de competição, em que tinha de competir com os meus colegas, custava-me e decidi que não queria ir mais. Uma vez um treinador ralhou comigo porque não fiz a piscina até ao fim, alguém passou-me já em cima da meta e lidei mal com a situação.
Não gostava de competir?
Naquela altura, por ser algo introvertido e talvez por ser filho único, lidei mal e quis sair da natação. “Não vou mais. Se me levares lá, fujo da piscina", disse à minha mãe [risos]. Nos meus primeiros dez, onze anos de vida fui muito introvertido e tive ali alguns problemas em socializar. Na escola tinha os meus amigos, mas quando era para competir, sentia um bocadinho de problemas.
Tinha ídolos no futebol?
Com nove, dez anos já tinha. Era o Manuel Fernandes, o Carlos Manuel, o Shéu, o Chalana, ouvi muito falar do Eusébio, mas nunca o vi jogar e por isso não era a minha referência. Quando o futebol começou a despertar-me interesse comecei a ter ídolos. Posteriormente, tornei-me completamente fã do futebol inglês; tinha as quatro paredes do meu quarto completamente forradas com posteres de jogadores de Inglaterra. Isto já a entrar na adolescência.
De onde veio esse fascínio pelo futebol inglês?
Não consigo dizer o porquê. Era fã do Liverpool, fui sócio do clube de fãs do Liverpool, vi numa revista e mandei por carta, mas não consigo perceber porquê, nem era muito fácil na altura ver jogos de futebol inglês. Mas sempre tive um fascínio enorme e comprava uma data de revistas que se encontravam numa papelaria das Amoreiras.
Quem eram as duas referências do futebol inglês?
Do Liverpool era o John Barnes e Ian Rush. Depois conhecia jogadores como Matthew Le Tissier, aquelas glórias do futebol inglês, Alan Shearer mais tarde, Teddy Sheringham, gostava desses craques todos e tinha o meu quarto completamente forrado.
Lá em casa torcia-se por algum clube?
Somos de uma família de benfiquistas, por influência familiar simpatizava com o Benfica. O meu avô foi júnior do Benfica em futebol, a minha tia foi recordista nacional de estafetas pelo Benfica e o meu pai jogou râguebi nos juniores do Benfica. E agora a minha filha mais velha joga voleibol no Benfica. Portanto, sempre houve uma forte ligação familiar ao Benfica.

O pai de Bruno, Fernando Baltazar, que foi jogador do Oriental, faleceu aos 44 anos, de morte súbita
D.R.
Contava que não foi aceite nos iniciados do Agualva-Cacém. Ficou só a jogar no bairro?
Sim. E jogava futebol de salão. Até que um dia mais tarde o meu pai tinha um amigo na companhia de seguros, o senhor Marques, que era treinador dos juvenis do Sintrense e que disse para eu lá ir treinar. Quando o meu pai falou-me disso, a minha resposta foi: "Não, se é teu amigo não quero. Não quero favores". Mas o senhor António Marques, com quem ainda almoço regularmente, acabou por me ligar: "Já sei que não queres vir treinar porque sou amigo e colega do teu pai, mas as coisas não se misturam, se vieres cá e mostrares que tens qualidade, ficas, se não mostrares qualidade, não é pelo teu pai ser meu amigo que vais ficar no Sintrense". Aquilo deu-me algum conforto e fui treinar. As coisas até me correram bem, fartei-me de correr, mandei alguns miúdos abaixo e dei algumas porradas [risos]. Eu era central e quiseram que eu ficasse.
Quem definiu a sua posição em campo?
Eu era grandinho, era mais alto do que os outros miúdos, era concentrado e foi o meu pai até que disse: "Ele poderá dar um bom central de marcação". O meu pai também foi central e foi médio no Atlético. Treinei nessa posição e foi aí que fiz a minha carreira. Nesse ano joguei ao lado do Luís Loureiro, que jogou no Sporting e na seleção. Fizemos dupla de centrais e subimos de divisão, nos juvenis. Foi a minha primeira experiência. Tinha 15 anos.
Já lhe passava pela cabeça ser jogador de futebol?
O bichinho começou a crescer naturalmente. Mas não tinha as coisas muito definidas. Sempre tive jeito para idiomas, neste momento sou fluente em quatro línguas. Na altura já tinha jeito para inglês e francês, por isso a minha orientação era mais para algo relacionado com turismo. As disciplinas mais científicas nunca foram para mim, era muito mais de humanidades. Mas claro que o sonho do futebol começou a crescer, também comecei a evoluir, a treinar todos os dias e o sonho começou a crescer, com a orientação do meu pai.
Quando sentiu que o seu futuro passava mesmo por ser jogador de futebol?
Talvez quando subi a sénior, no Sintrense. Comecei nos juvenis e ia ver os jogos dos seniores do Sintrense na II B, e para mim pareciam jogadores do Real Madrid [risos]. Nós idolatrávamos os jogadores, os jogos na relva, aquele ambiente, o estádio cheio, e aí foi talvez o clique, é isto que quero fazer um dia. Pelo menos o meu sonho era chegar aos seniores do Sintrense, isso para mim seria fantástico.

Cartão sócio do Sporting, onde Bruno praticou natacão, com nove anos
D.R.
Que tal correu essa transição de júnior para sénior?
É sempre difícil e naquela altura ainda mais. Foi no período mais negro da minha vida e da minha família, porque o meu pai faleceu quando eu tinha 18 anos.
Como?
Em casa, de morte súbita. Acordei às três da manhã com a minha mãe aos gritos. O meu pai desapareceu assim, do nada, sem estar doente. Tinha 44 anos, eu tinha 18, foi a 12 de maio de 1996. Era o meu 3.º ano de júnior, eu era capitão, fiz uma época fantástica, marquei 10 golos apesar de ser central e no último jogo do campeonato dos seniores, um Sintrense-Alhandra, para a III Divisão Nacional, fui convocado para os seniores e a maior surpresa é que fui titular nesse jogo. Isto foi no início de maio, lembro-me de entrar para aquecer e quando olhei para o meu pai e vi que ele percebeu que eu ia ser titular, ele ficou branco, pálido, mais nervoso do que eu. Nunca o tinha visto assim, tão inchado de orgulho. Fiz o jogo, ganhámos ao Alhandra e um jornal local elegeu-me o melhor em campo. Duas ou três semanas depois, do nada, o meu pai desapareceu. Ainda viu o meu primeiro jogo como sénior. Mas quando aos 18 anos o teu ídolo desaparece, é muito complicado. Fiquei sozinho com a minha mãe, saímos do bairro, fomos morar para outra casa, foi mesmo muito duro. Felizmente, com a educação que tive e com o suporte da família, nunca descambei e mantive o foco.
Ainda se recorda da primeira saída à noite?
Foi aos 18 com amigos do meu bairro. Fomos beber uns copos numa festa popular na igreja de Massamá, que ainda estava em construção, e depois fomos para Lisboa para a das Docas. Mas as saídas eram esporádicas.
Namoros? Havia alguma coisa séria?
Já tinha conhecido a minha atual mulher, a Nadia, de origem marroquina.

Bruno (1.º jogador atrás à direita), no clube da Idanha, onde começou a jogar futebol
D.R.
Como se conheceram?
Isso é outra longa história. Foi num intercâmbio. Eu era aluno de francês e a professora organizou um intercâmbio com a cidade geminada com Sintra, El Jadida, em Marrocos. Conheci a minha mulher nessa viagem, nesse intercâmbio. Foi um baque, eu e ela, quando nos conhecemos. Ficámos em contato por carta, ainda o meu pai era vivo, eu tinha 16 anos. Cartas, telefonemas de telefone fixo, que era caríssimo. No ano seguinte os marroquinos vieram cá a Sintra e continuámos a falar. Depois obriguei os meus pais a ir a Marrocos, de carro [risos]. A partir daí as coisas começaram a ficar mais sérias. Entretanto, o meu pai faleceu. Hoje somos casados e temos duas filhas.
Quando casaram ou quando é que ela veio para cá?
Quando ainda era minha namorada, o presidente Jorge Sampaio fez uma visita de estado a Marrocos com uma grande comitiva, foi visitar a antiga Mazagão, que é uma antiga cidade portuguesa. A Nádia já "arranhava" português. Ela licenciou-se em literatura francesa, mas já estudava português e dava uns “toques”. O presidente foi visitar a medina de Fez e ela interpelou-o: "Olá senhor presidente, sou marroquina, gosto muito do seu país". Ele ficou surpreendido: "Como é que a menina fala português?!”. Ela explicou que namorava um português e que já cá tinha vindo. O Jorge Sampaio disse-lhe para ela falar com um senhor da comitiva, que era o diretor do Instituto Camões, que dava bolsas de estudo a estrangeiros. Nessa visita deu-lhe uma bolsa de estudos durante dois anos, para vir para Portugal. O que precipitou a vinda dela foi o meu pai ter falecido e nós mudarmos de casa. A minha mãe teve de ser responsável por ela, e pronto, começou a viver connosco, aos 20, 21 anos.
E o Bruno, já estava na faculdade?
Quando o meu pai faleceu ainda estava no 12.º ano e deixei duas disciplinas. Demorei ainda dois anos para acabar o secundário. Andei zangado com tudo e revoltado com o que nos tinha acontecido. Finalmente aos 20 anos, já jogava no Sintrense, na III Divisão e a minha mãe diz-me: "Treinas à noite no Sintrense, ganhas um dinheirinho, mas não chega, se não queres ir para a faculdade tens de arranjar um trabalho que isto não é vida".

A equipa de Bruno, dos juvenis do Sintrense, num torneio em Madrid
D.R.
Qual o valor do seu primeiro ordenado?
20 contos [100€] e se fizesse mais de 10 jogos, como era o primeiro ano de sénior, passava para 30 contos [150€]. Fui aumentado porque jogava e com 30 contos [150€] já me sentia o homem mais importante do mundo.
O que fez com o primeiro ordenado?
Os meus pais tinham-me dado uma mota, andava de acelera, portanto, aquele dinheiro dava para os meus gastos, para comprar umas chuteiras ou roupa de marca. Por isso, sou capaz de ter gasto em roupa de marca nas lojas das Amoreiras.
Como reagiu ao ultimato da sua mãe?
O meu massagista, o Chiquinho, era responsável por uma secção numa fábrica de carnes e resolvi ir trabalhar. Andei a empurrar carne durante 11 meses, cheio de sangue, tinha de ir buscar 10 quilos de coração, 10 quilos de bucho de porco… E foi aí que tive o clique. A Nádia já estava connosco, estava a fazer o curso da língua e cultura portuguesa durante o dia. Eu ia trabalhar, jogava à noite até que percebi, isto não é vida para mim, vou acabar o 12.º e vou para a faculdade.
Sabia que licenciatura queria?
Relacionado com línguas. Fui tirar o curso de tradutor e intérprete de inglês, francês, línguas do trabalho, na Universidade Autónoma de Lisboa. Entretanto, mudo do Sintrense para o Odivelas.
Como?
O Daúto Faquirá foi meu treinador dos seniores, durante três anos, no Sintrense. Estivemos na III divisão, depois subimos à IIB e na IIB ele saiu para o Odivelas, para a distrital, mas o Odivelas queria subir e estava a pagar muito dinheiro na altura. Ele levou seis jogadores do Sintrense, eu fui um deles. No final da época fui para o Odivelas e com o dinheiro que recebia lá, ganhava bastante mais, paguei os meus estudos. Estive quatro anos no Odivelas. Foquei-me no curso e tinha a noção que tinha de ter um plano B, caso o futebol não resultasse. Também via ex-colegas a acabarem carreiras e a irem para empregos que não eram o que eu queria para a minha vida. Perdes o teu pai, o teu ídolo, estás a trabalhar numa fábrica de carne das oito da manhã às seis da tarde e ainda vais treinar para ganhares uma ninharia… Eu via as dificuldades que os meus colegas passavam. Percebi que tinha de acabar o curso, desse por onde desse. Entretanto, casei, primeiro no registo e depois fizemos a cerimónia em Marrocos. Casei também em Marrocos, onde tive de me converter ao islamismo para o casamento ser reconhecido.
Enquanto jogador qual era o seu objetivo? Já não era ser sénior do Sintrense porque já o tinha alcançado. Estava com 26 anos, que sonhos ainda tinha?
Estava carregado de sonhos, a ver onde é que a minha carreira me levava. Comecei a ver os colegas a subir. Um dos meus melhores amigos, o Luís Loureiro, tinha ido para o Nacional, para o Portimonense, e obviamente que também desejava o mesmo. No 3.º ano no Odivelas, surgiu-me a possibilidade de ir para a Alemanha, para o Dynamo de Dresden. O mister José Morais pediu ao Daúto Faquirá para recomendar alguns jogadores, ele recomendou-me e ao Paulo Vieira. Congelei a matrícula no último ano de faculdade e resolvi arriscar. Era uma equipa da III divisão, mas num contexto completamente diferente, com estádios com 14, 18 mil pessoas.

Bruno ainda conseguiu fazer um jogo com o pai, Fernando Baltazar
D.R.
Como foi a adaptação à Alemanha?
Foi um choque cultural. O que mais me impressionou foi a grandeza, a organização e a envolvência nos estádios. Habituado à II divisão B, em Portugal, com 100, 200 pessoas no estádio a chamar-te nomes ou a apoiar-te, e de repente estás a jogar com 12, 14 mil e 18 mil pessoas.
Um futebol muito diferente?
Muito mais físico, menos técnico.
Ficou a viver com quem e onde?
Ficámos a viver em Dresden, os seis portugueses morávamos todos na mesma casa, cada um com o seu quarto.
Sentiu que evoluiu na Alemanha?
Eu vou para Dresden com 26 anos. Foi só seis meses, fomos em janeiro para tentar salvar o clube da descida, não conseguimos. Dos seis que foram, correu melhor a mim, ao Cláudio Oeiras e ao Hélder Costa. Ainda fui treinar a um clube da I divisão da Suíça, tinha praticamente tudo acertado com um clube, mas as coisas acabaram por não acontecer, problemas entre empresário e clube.
Nessa altura já tinha empresário?
Foi o empresário que nos levou para lá, não era meu empresário, mas o empresário que levou o José Morais e que nos contactou, estava a intermediar essa situação na Suíça. Não aconteceu, foi uma desilusão. É importante referir que na Alemanha foi a única vez na carreira que me senti jogador a sério. A envolvência nos estádios, a organização, era futebol a sério e foi a única vez na carreira que me senti jogador mesmo.
Gostou dos alemães?
Fomos para a Alemanha de Leste e Dresden ainda estava muito fechada, o muro tinha caído há poucos anos, portanto ainda havia uma mentalidade muito fechada e as pessoas com muito pouca vontade em comunicar. Não nos sentimos muito bem recebidos sendo estrangeiros. Não posso dizer que tenha sido vítima de racismo, nem pouco mais ou menos, mas tinham uma mentalidade muito fechada, um orgulho de leste, à antiga, que era muito sui generis.
Aprendeu alemão?
Aprendi o básico de conversação, fiz um curso quando cheguei a Portugal para tentar melhorar mas não posso dizer que consiga comunicar em alemão. Mas fui dos que mais se interessou em conhecer o país e em conhecer os alemães.

Bruno Baltazar e Luís Loureiro, jogaram juntos no Sintrense
D.R.
Entre a Alemanha e a proposta da Suíça, não chegou a ir para Inglaterra?
É verdade. Fiquei super desiludido com o facto de a Suíça não ter avançado, o empresário quis levar-me à experiência também a um clube grande na Alemanha, o St. Pauli, mas eu já tinha viajado para Inglaterra, para casa de um amigo, para tentar a minha sorte lá. Não quis ir para o St. Pauli. Consegui um teste, uma experiência no Brentford que estava na League Onde na altura, faço um jogo de treino contra os reservas do Chelsea mas eles não ficaram comigo. Só que um empresário inglês que estava a ver esse jogo viu qualquer coisa em mim, perguntou-me se eu queria jogar duas divisões abaixo, na Conference, a última divisão nacional. E eu, com aquele sonho de querer jogar em Inglaterra, resolvi aceitar.
Foi para o Margate FC?
Exato. Assinei contrato por um mês, na Inglaterra isso acontece bastante. Marquei um golo na minha estreia, mas confesso que foi a experiência necessária para perceber que eu não era jogador para jogar em Inglaterra, muito menos em divisões inferiores.
Porquê?
Devido às minhas características, eu não era alto o suficiente, não era forte o suficiente, gostava de jogar com a bola no chão, que lá não resulta. Nas divisões inferiores é muito mais físico, muito mais direto, e todos os princípios de jogo que eu tinha, para Inglaterra eram completamente desajustados e foi-me difícil perceber.
A sua mulher ficou em Portugal a viver com a sua mãe enquanto esteve fora?
Sim. Foi difícil estar longe dela e da minha mãe.

Bruno (2º atrás à direita) esteve com o técnico José Morais e outros cinco jogadores no Dynamo de Dresden, na Alemanha, na época 2002/03
D.R.
Voltou a Portugal sem perspetivas no futebol?
Sim, voltei sem nada. Mas surgiu o Fátima já com a época a decorrer. Fui contactado pelo Albuquerque, presidente da Câmara de Ourém, e que era o diretor do Fátima na altura. Já me conhecia do Odivelas e como eu precisava de ganhar dinheiro, aceitei, para reorientar a minha vida. Já podia vir a casa e estar com a minha família, foi um recurso para voltar a jogar rapidamente e começar a ganhar dinheiro.
Ficou a viver sozinho em Fátima ou dividia apartamento com alguém?
Vivia sozinho, junto ao santuário. Tínhamos refeições num restaurante fornecidas pelo clube. Os treinos eram à noite. Durante o dia ia ao santuário, dava uma volta com os meus colegas, íamos ver a loja das velinhas, fazíamos pouco. Quando terminou a época consegui regressar ao Odivelas e retornei à faculdade.
É um homem de fé?
Tive educação católica. A minha mãe e avó são bem mais religiosas do que eu. Fiquei muito magoado com deus quando o meu pai desapareceu. Fiquei muito mais cético, mais pragmático, se calhar mais vazio, com menos graça.
Como conseguiu regressar ao Odivelas?
O Paulo Sousa estava envolvido, era um dos acionistas do clube com o BPN, era um projeto para subir, já me conheciam, era um jogador da casa e surgiu o convite para voltar. Aproveitei para terminar o curso, licenciei-me em tradução, depois surgiu a oportunidade de ir para o Barreirense que sobe de divisão naquele ano, com o Daúto Faquirá, que deixou o meu nome no Barreirense como um bom reforço para a II Liga.
Foi o patamar mais alto em que jogou em Portugal.
Sim, um clube histórico, com uma mística inacreditável, que estava algo adormecido e que nesse ano recuperou a mística, numa liga profissional.
Ainda tinha esperança de relançar uma carreira enquanto jogador?
Tinha 28 anos. Mas o sonho nunca morreu. Tentei e espremi as minhas potencialidades ao máximo. Mas sim, o Barreirense foi de facto o auge da minha carreira.

Bruno (4.º atrás a partir da esquerda) jogou no Barreirense, na II Liga, em 2005/06
D.R.
Nunca conseguiu dar o salto para outro patamar porquê?
Falta de qualidade, não dava para mais. Era um bom jogador de II divisão B, um jogador normal e regular na II Liga, mas não dava para mais, vamos ser honestos. Tive alguma falta de sorte quando estive na Alemanha, se tivesse ido para aquele clube na Suíça, da I Liga, se calhar ao trabalhar naquele contexto podia ter ter evoluído mais rapidamente, mas não aconteceu. Alguma falta de sorte, mas o fator predominante era falta de qualidades.
Jogou pouco no Barreirense.
Fiz sete ou oito jogos, passei muito tempo no banco e é quando estou no banco de suplentes, chateado e frustrado por não jogar, que começo a ver o jogo noutro prisma. O treinador era o Rui Bento e eu pensava: "Se fosse eu agora, tirava este, punha aquele, fazia isto. Comecei a interessar-me mais e é aí que me dá o clique. Tenho o meu curso, sei que adoro futebol e quero ficar ligado ao futebol, mas isto vai acabar daqui a uns anos. Comecei a ver-me num prisma de treinador. Inscrevi-me e fui tirar o I nível do curso de treinador, na Associação de Futebol de Lisboa. Curso esse que 10 anos depois culminou com o UEFA PRO. Ou seja, demorei 10 anos para tirar os níveis todos.
Ainda passou, enquanto jogador pelo Imortal, o Abrantes...
Andava atrás do dinheiro, a esticar o sonho ao máximo, mas já a perceber que não ia passar muito daquilo.
Continuava a viver em casa da sua mãe com a sua mulher?
Não. Temos de recuar um bocadinho. Vivemos dois anos com a minha mãe, entretanto quisemos fazer a nossa vida e arrendamos um apartamento na Tapada das Mercês. A Nádia tinha o curso de literatura francesa, em Portugal tirou língua e cultura portuguesa e, entretanto, começou a trabalhar na Faculdade de Letras. Foi docente de português para estrangeiros e de árabe na faculdade durante muitos anos. Ainda colabora por vezes com eles em cursos de verão. Entretanto, nasceram as nossas filhas.
Foi pai quando?
Fui pai com 29 e 31 anos. Primeiro da Samira Baltazar, que hoje tem 16 anos e da Dúnia, que tem 14. Optámos por pôr nomes árabes. São portuguesas e marroquinas. Fiz questão que nascessem em Lisboa, em São Sebastião da Pedreira, como eu.
Antes de se tornar treinador e depois da passagem pelo Imortal, Abrantes e Real Massamá, ainda foi jogar ao Chipre, com 31 anos. Como aconteceu?
Tinha começado o boom dos portugueses para o Chipre, as condições financeiras eram boas, e fui nessa aventura, determinante também na minha carreira de treinador, mas já lá chegamos.

O central português (à esquerda) esteve no Digenis Morphou, do Chipre, em 2008/09
D.R.
Como foi jogar no Chipre?
O ano tinha-me corrido bem no Real, tinha um DVD que enviei a um empresário. O Miguel Vargas, que foi jogador do Sporting, apresentou ao empresário que o tinha levado para o Chipre. O empresário gostou, apresentou-me o Digenis Morphou, o clube avançou e pronto.
Foi sozinho ou com a família?
Fui sozinho, depois consegui levar a minha mulher e as miúdas, passaram lá dois meses.
Quais foram as primeiras sensações?
Gostei. O Chipre tem uma qualidade de vida muito boa, um estilo de vida muito calmo, um bocado como no Algarve, com muita esplanada, muito café, praia, muito tranquilo.
E o futebol?
O futebol estava a crescer, estavam a gastar muito dinheiro e ainda continuam a investir muito dinheiro, mesmo na II Divisão. Fui para a II Divisão, com muitos jogadores estrangeiros, muitos portugueses, estávamos sempre à volta de 10, 15 portugueses em casa uns dos outros, porque morávamos todos perto. Portanto, a adaptação foi muito fácil, era praticamente como estar a jogar em Portugal, com o convívio que tínhamos.
Só fez uma época porquê?
Acabou o contrato, estive perto de assinar num clube da I Divisão, mas também não aconteceu. A minha carreira foi do quase, mas pronto. Podia ter continuado nas mesmas condições, num clube de II Divisão, mas após ter experimentado, não fazia sentido estar longe da família, longe das minhas filhas e voltei.

No dia da entrevista à Tribuna
Ana Baiao
Para o Igreja Nova.
Aí foi a transição. Com 32 anos faço a pré-época com o Estoril, o Hélder era o treinador. Estavam lá o meu amigo Marco Silva, com quem tinha jogado no Odivelas, e mais uns quantos. Treinei com eles, as coisas correram-me muito bem, o Hélder disse-me que gostava muito de contar comigo e que eu ficasse no Estoril. Só que, entretanto, entrou a Traffic no Estoril, começou a trazer muitos jogadores brasileiros. Veio o Jardel, que foi para o Benfica mais tarde, veio o Ismaily, que está no Shakhtar Donetsk, começaram a trazer esses jogadores e eu perdi espaço porque obviamente os jogadores do projeto tinham de ficar. Foi quando percebi, isto não vai dar mais nada, não vou esticar mais. E fui para um clube na IIB, o Igreja Nova, que pagava um bom dinheiro, não era muito longe da minha casa e treinava à noite… Comecei a procurar trabalho na área do meu curso.
Foi trabalhar em quê e onde?
A minha prima trabalhava numa empresa de brinquedos, a Hasbro, e eles precisavam de um tradutor para tudo o que são embalagens, instruções, packaging dos brinquedos, para o mercado português. Comecei a colaborar com a Hasbro como tradutor, durante o dia e à noite jogava no Igreja Nova. Foi a minha entrada na vida profissional.
Ainda jogou duas épocas no Sintrense depois.
No Igreja Nova as coisas não correram bem, voltar ao amadorismo custou-me, não estava preparado mentalmente para aceitar o amadorismo. Estava chateado por as coisas terem tomado aquele rumo. Fui para o Sintrense já com a perspetiva de acabar a carreira, ainda gostava de jogar, ainda estava bem, mas queria começar a minha carreira de treinador, fosse por onde fosse.