Nasceu em Paredes, mas cresceu em Arcozelo. Fale-nos um pouco da sua família?
O meu pai chama-se José Manuel e era carpinteiro, tinha uma empresa, a minha mãe é Maria Marlene e era cabeleireira. Tenho uma irmã mais velha, com 30 anos.
Foi uma criança tranquila ou era daqueles que dava muitas dores de cabeça?
De vez em quando gostava de aprontar uma ou outra, mas nada de extraordinário. A história que me lembro melhor tem a ver com uma piscina daquelas de montar que o meu pai comprou. Ele só nos deixava ir para dentro dela quando ele estivesse em casa. Uma vez estava pronto para entrar na piscina quando ele chegou a casa e eu não estava à espera. Levei um sermão daqueles que nunca mais me esqueci [risos].
Gostava da escola?
Mais ou menos, tinha de ir. Só gostava de jogar futebol. Sempre quis ser jogador de futebol, levava a bola para todo o lado.
Lá em casa torcia-se porque clube?
O meu pai era benfiquista ferrenho, então eu tinha de ver os jogos do Benfica com ele.
Começou a jogar futebol no S. Félix da Marinha com que idade?
Na altura era para ir para o Arcozelo, só que eles não aceitavam miúdos com menos de sete anos e eu comecei com cinco a fazer seis. Então fui para o S. Félix porque deixavam-me treinar com eles, só não podia jogar até completar os sete anos. Era perto de casa, mas o meu pai e a minha avó levavam-me sempre. Quando comecei até era mais a minha avó que me levava.
Quem eram os seus ídolos?
O Simão Sabrosa. Eu via mais o campeonato português. Era o Simão, o Nuno Gomes. Acabava por ser mais os jogadores do Benfica porque em casa só via Benfica [risos]. Mas também gostava do Figo.

Alexandre Guedes começou a ser chamado muito cedo à seleção nacional
John Walton - EMPICS
Como foi parar ao Sporting?
Quando comecei a jogar pelo S. Félix jogava futebol de 11 e marcava muitos golos. Jogávamos contra o Boavista que tinha na altura uma formação equivalente à do FC Porto, e eu marcava golos. Depois surgiu um convite do Sporting, para fazer uns torneios. Estive um ano a fazer torneios e depois quiseram que eu assinasse.
Qual foi a reação do seu pai, enquanto benfiquista ferrenho?
Ele nunca me obrigou a nada, disse-me sempre que a escolha era minha. Eu acabei por escolher ir para o Sporting até porque estava lá o Ronaldo, já na equipa principal, falava-se muito dele e da formação do Sporting e acabei por tomar essa decisão.
Tinha quantos anos?
Nove anos. Durante dois ou três anos treinava em Arcozelo e aos fins de semana ia jogar a Lisboa, ao Sporting. Só me mudei para a Academia de Alcochete com 12 a fazer os 13 anos.
Foi muito difícil deixar o aconchego dos pais?
É sempre um bocado difícil, mas acho que não temos bem a noção do que é. O que nós queremos é jogar futebol. A Academia do Sporting era considerada uma das melhores academias do mundo, tínhamos tudo lá. Antes de ir para a Academia, durante um ano, fomos bem preparados porque muitas vezes quando tínhamos jogos aos fins de semana, eles diziam para dormirmos na Academia. Prepararam-nos bastante bem, por isso quando fomos definitivamente já estávamos integrados, era uma coisa normal.
Sentiu muitas saudades de casa?
Sim, claro que sim, mas os meus pais também ajudaram muito, no primeiro ano eles iam ter comigo todos os fins de semana.
Estranhou a mudança de escola?
Não, porque ia com os meus colegas da Academia. A equipa onde eu estava, 80% éramos todos de fora, de Coimbra, do Porto, da zona norte, do centro, do Algarve e a maioria andava na mesma escola.
Na Academia dividiu o quarto com quem?
Primeiro foi com o Rúben Oliveira, que está no Santa Clara. Depois tive vários colegas e a partir dos 15 anos comecei a ficar com o Tobias Figueiredo, ficámos juntos até eu sair do Sporting.

O avançado foi viver para a Academia do Sporting com 12 anos
Bryn Lennon
Qual foi o episódio que mais o marcou no período da formação?
Foi logo passado uma semana de ter chegado à Academia. Chegámos em junho ou julho, estava muito calor. À noite andávamos a passear, e nós podíamos andar à vontade pela Academia, só não podíamos ir para a zona profissional, onde havia uma piscina. A certa altura houve alguém que disse "vamos dar um mergulho" e fomos todos para dentro de água [risos]. Quando saímos estava o segurança à nossa espera para levar-nos ao diretor. Essa foi a história que mais me marcou. Também foi a primeira e a última vez que fizemos [risos].
Foram castigados?
Fomos. O senhor Arlindo mandou-nos escrever 500 vezes: "Nunca mais irei para a piscina sem autorização". Tivemos de escrever mesmo. Até hoje não me esqueço [risos]
Recorda-se da sua primeira saída à noite?
Com uns 17 anos. Tínhamos sido campeões em 2011/12 e a equipa foi festejar para uma discoteca do Futre. No Sporting eram muito rígidos e não nos deixavam sair, tínhamos de estar até determinada hora na Academia. Mas como tínhamos sido campeões, lá nos deixaram. Acho que até foram treinadores também. Foi essa a primeira vez.
Quando começou a ganhar dinheiro com o futebol?
Eu não cheguei a fazer um contrato profissional no Sporting, foi semi-profissional, quando estava na equipa B, mas desde os 14, 15 anos tinha contrato de formação e recebia alguma coisa, não era muito, mas já ajudava para as nossas despesas. O primeiro ordenado mesmo é quando vou para a equipa B, acho que eram 1.400 ou 1.600 euros. Mas nem cheguei a vê-lo porque foi para pagar a entrada num apartamento. Quando chegávamos à equipa B não podíamos continuar a residir na Academia. Por isso, basicamente foi para isso, para arrendar o apartamento e comprar o que necessitava.
Foi viver para onde e com quem?
Fui viver para o Montijo com a minha esposa, Jessica Garcia. Conheci-a em 2011. Eu ia muitas vezes ao Porto, aos fins de semana, e um dia saí com um grupo de amigos e conhecemo-nos num café bar. Começámos a falar e pronto.
O que ela fazia profissionalmente?
Na altura estudava. Ela tirou vários cursos, várias formações e agora tem um espaço dela, o Spirit Solarium, em Gaia. Eu casei-me cedo, com 19 anos. Ela é mais velha um ano. Mas na altura arrendei o apartamento e ela veio viver comigo.
Como foi o início da vida a dois?
Tem sempre os seus contratempos, mas foi engraçado. É mais fácil a dois do que sozinho. Muitas vezes dizem-me que casei cedo, mas se calhar se não tivesse feito não estava onde estou hoje. São opções de vida.
Na formação, qual era o seu maior sonho?
Era chegar à equipa profissional do Sporting. Penso que todos os jogadores que estão ali querem chegar à primeira equipa.

Alexandre no Torneio de Toulon, em 2014
Christopher Lee
Quando percebeu pela primeira vez que podia mesmo ser jogador de futebol profissional?
A partir dos 14, 15 anos começamos a ter muito mais responsabilidade e aí começamos a pensar que é possível, estamos sempre a mais de 100% para tentar chegar lá.
Deixou os estudos em que ano?
Fiz o 11º ano. No 12º começou a ser complicado porque os treinos passaram para a manhã, nos juniores. Ia para a escola às oito, voltava para a Academia às nove, treinava, e depois dependendo do treino se desse para ir à escola ao meio-dia, ia, se o treino atrasasse já não conseguia e acabava por ir só à uma, mas já estava a perder uma aula. Depois também tinha de faltar para ir para os torneios da seleção, o que também não ajudava muito.
Quando foi chamado pela primeira vez a uma seleção?
Ainda estava no S. Félix quando fui chamado à seleção de Gaia, para um torneio em Santander. No Sporting fui chamado para a seleção de Lisboa e a partir dos 14 anos comecei a ir à seleção nacional.
Recorda-se da primeira chamada a uma seleção nacional?
Durante a semana o treinador metia a convocatória dos que iam à seleção num quadro e estava eu e mais seis ou sete. Na altura só os do FC Porto, Sporting e Benfica é que iam basicamente. Soube assim, num quadro. Fiquei todo contente, claro. Recordo-me que o estágio foi em Oeiras e treinávamos no Jamor. Fizemos três treinos em dois dias. Numa convocatória iam uns, na seguinte iam outros, aquilo basicamente era para experimentar, para depois começarem a apostar nas divisões mais acima.
E o primeiro treino com a equipa principal do Sporting, aconteceu quando?
No meu primeiro ano de júnior, aqueles que jogavam menos, era o meu caso porque era dos mais novos, acabávamos por ser recompensados em ir treinar com a equipa principal.
Quem era o treinador?
Domingos Paciência. Eu já ia ver muitas vezes os treinos deles. Quando cheguei à Academia, a parte dos seniores era aberta para a parte da formação e ao fim de semana íamos ver a equipa principal a treinar. Mas quando o Domingos Paciência chegou fecharam aquela zona toda da equipa principal e deixamos de poder ver os treinos. Não sei se o responsável foi ele ou se aquilo já estava previsto.
Quando via os outros jogadores subir à equipa principal como, por exemplo, o Iuri Medeiros ou o João Mário, o que sentia?
Sabia ser muito difícil lá chegar, até porque na altura o Sporting passava por uma fase boa e todos os anos trazia mais seis, sete jogadores e quando cheguei ao primeiro ano de juvenil nem existia equipa B. Mas quando vemos os nossos colegas a ir ficamos contentes, claro, e sabemos que temos de trabalhar para ir também.
Não sentia uma pontinha de inveja?
Não. Na minha posição o Betinho ia muitas vezes à equipa principal e até acabou por se estrear na equipa principal, o Iuri Medeiros, o João Mário, o Bruma, o Eric. Eu continuava a trabalhar, não desistia. Por essa altura todos os anos trocavam os treinadores e não era fácil.

O avançado no CF Réus, ao lado da mulher, Jessica, já gravida do primeiro filho
D.R.
Por quem mais foi chamado para treinar com a equipa principal?
A partir do Domingos Paciência ia todos os anos treinar muitas vezes com a equipa principal. Treinei com o Vercauteren, com o Sá Pinto.
O Sá Pinto e o Domingos Paciência eram muito diferentes?
Sim. O Sá Pinto era uma pessoa que toda a gente conhecia, tinha aquele respeito máximo por ele. O Domingos Paciência era um pouco mais reservado: quando eu ia treinar, quem dava os treinos era o treinador adjunto, Miguel Cardoso, o Domingos Paciência era mais de estar num cantinho a observar para depois tirar as conclusões dele. Já o Sá Pinto era ele quem dava o treino, dava os gritos, dava tudo [risos].
Recorda-se de alguma dura que tenha levado?
Do Sá Pinto acho que toda a gente levava [risos]. Quando fazia jogos reduzidos no treino, ele costumava ir para uma das equipas. Uma vez eu estava numa equipa, ele estava na equipa contrária e eu marquei um golo, ele virou-se para mim, mesmo chateado: "Fogo, nos treinos fazes golos, chegas ao jogo não fazes um golo" [risos].
Quem era o treinador quando subiu à equipa B em 2012/13?
Era o Abel Ferreira, foi o primeiro ano dele também como treinador da equipa B.
Gostou dele?
Sim, gostei. Já o tinha apanhado nos juniores e ele treinou connosco porque estava a recuperar de uma lesão. Eu ia com ele aos fins de semana para casa, ele levava-me, tínhamos uma boa relação. Depois virou treinador e gostei muito, sempre teve bons métodos e conseguiu construir boas equipas.
Entretanto, acabou por ir para o CF Réus, de Espanha, em 2014/15. Porquê?
Eu não estava a jogar muito na equipa B porque havia muitos avançados, o Betinho, o Diego Rubio, o Cissé, jogadores que tinham acabado de ser contratados e foram mandados para a equipa B. Eu sentia dia para dia que não tinha oportunidades, não tinha espaço e surgiu essa hipótese de ir para Espanha, uma experiência diferente.
Já tinha empresário?
Não. Foi através do Jorge Mendes que investiu com um diretor do Barcelona no CF Réus, acabámos por ir eu e o Tobias. Na segunda época acabaram por ir mais três ou quatro portugueses e aquilo era tudo agenciado pelo Jorge Mendes. Só que não correu tão bem como eles esperavam e o Jorge Mendes também foi embora.

O avançado à esquerda já com a camisola do Desp. Aves, a tentar fugir a Coates, do Sporting
Carlos Rodrigues
Quando saiu do Sporting e foi para Réus, como foi a adaptação, correu bem?
Eles queriam subir para a II Divisão e os treinos eram às seis da tarde, se estivesse muito vento nem sequer havia treino. Achámos aquilo tudo muito estranho. Foi um pouco difícil, mas no ano seguinte mudou completamente, passou de amador para profissional. Mas no primeiro ano, nos primeiros seis meses, foi um bocado complicado. A cidade era boa, as pessoas também eram simpáticas, mas havia sempre um ou outro espanhol mais arrogante. Eu e a minha mulher gostámos de lá viver. Aquilo ficava perto de Salou, uma zona de praia bastante conhecida e adaptámo-nos os dois bastante bem.
Já tinha sido pai?
Estive ano e meio na Espanha e no segundo ano e minha mulher ficou grávida.
Gostou do futebol espanhol?
Eu não cheguei a jogar a I Liga em Espanha, só joguei na II B. Era muito físico. Não gostei muito, mas não me arrependo de ter tomado a decisão de ter ido.
Foi com contrato ou foi emprestado pelo Sporting?
Fui com contrato.
No Sporting não quiseram renovar?
Não, eles até queriam renovar. Foi uma história curiosa, porque eles queriam fazer um contrato de formação semiprofissional. Entretanto, fui ao Europeu de sub-19, acabei por ser o melhor marcador e quando cheguei à Academia eles já queriam fazer contrato profissional e aí eu disse: "Agora também não fazemos. Há três semanas não queriam fazer contrato profissional, agora sou eu que não quero fazer contrato profissional". E acabou por surgir a oportunidade de ir para Espanha.
Está arrependido de não ter feito o contrato?
Não, não estou arrependido. O futebol às vezes chega a um ponto em que é mais interesses do que outra coisa e eu não estava contente. De que me servia fazer um contrato e não jogar? Ia ficar ali sem jogar, decidi entrar numa nova aventura.
No CF Réus deu um grande salto ao nível de salário?
Sim, aumentou bastante, ainda por cima não pagava casa, não pagava carro, ajudou bastante, já deu para juntar algum.
Tinha assinado por quanto tempo com o Réus?
Por três anos e meio. Como estava a dizer, no ano seguinte aquilo mudou para profissional, trouxeram um treinador que esteve no Tondela, o Natxo Gonzalez, que trouxe jogadores da confiança dele para basicamente todas as posições, porque queria subir de divisão e eu acabei por jogar pouco. Comecei ficar um bocado farto, não estava a jogar muito e surgiu a oportunidade de ir para o Desportivo das Aves.
Continuava sem empresário?
Tinha um empresário, o Pedro Falcão, que se mantém como o meu empresário. Só que o Jorge Mendes fazia alguns negócios com o meu empresário. A oportunidade de ir para o Réus foi através do Jorge Mendes, para o D. Aves já foi com o Pedro Falcão.

Alexandre fez parte do 11 inicial do Desp. Aves disputou a final da Taça de Portugal de 2018
Carlos Rodrigues
Quem o quis no Aves foi o Abel Xavier?
Sim. Pediu para eu ir, mas como tinha acabado de chegar uma direção nova e eles começavam a montar uma equipa para subir de divisão, o presidente estava um pouco desconfiado. Então pediu-me para eu treinar uma semana à experiência. Fui e quiseram ficar comigo.
Foi viver para a Vila das Aves?
Não, fui viver para Baguim do Monte porque o padrasto da minha mulher tinha lá um apartamento vazio. Não era muito longe, cerca de 30 minutos de carro.
O seu filho mais velho já tinha nascido?
O Santiago nasceu dois meses antes de eu vir embora de Espanha. Já tem sete anos.
O que mudou com o nascimento dele?
Mais responsabilidade. Eu gostava muito de sair com a minha mulher, ir a um bar ou assim e acabámos por deixar de fazer essas coisas porque não queremos deixar o nosso filho com ninguém, nem com os avós [risos]. Acabou por ajudar-me bastante, trouxe muito mais responsabilidade.
Quando chegou ao D. Aves que tal era Abel Xavier enquanto treinador?
É uma personagem. Um treinador diferente dos outros. Com um ritmo muito acelerado, cheio de estilo, mas boa pessoa.
Estranhou os treinos dele?
Eram treinos normais, ele é que é aquela figura, sempre muito acelerado. Passado duas semanas foi despedido. Começou mal o campeonato, com quatro derrotas nos primeiros jogos. Nem sequer cheguei a lidar com ele, porque quando cheguei de Espanha tive de ficar à espera de um certificado qualquer para poder ser inscrito e quando chegou, no dia a seguir, cheguei ao clube e ele já não estava lá, tinha sido despedido. Fiquei naquela, ele é que me trouxe para aqui, agora é que eu não vou jogar [risos]. Mas veio o Ulisses Morais e acabou por correr bem, foi a época em que fiz mais jogos.
Um estilo muito diferente o do Ulisses?
Sim, um treinador que nos ensina, que explica a forma como o adversário joga. Julgo que fiz os jogos todos com ele. Contrataram alguns jogadores e acabámos por ficar em 8º lugar.
Quando chegou ao D. Aves não lhe fizeram nenhuma praxe, nenhuma partida?
Ah, fizeram. Houve um senhor que me fez uma partida [risos]. Estávamos no Algarve em estágio, íamos ter jogo e o Vítor Alves ligou-me a dizer que era um jornalista e que queria fazer-me uma entrevista. Eu nunca gostei muito de dar entrevistas, na altura disse-lhe “agora não posso, tenho de ir para uma reunião, depois para o jantar e vai ser complicado”; “Eu ligo-te depois do jantar”. Ele ligou e começou a fazer perguntas do género “O que achas dos teus concorrentes avançados”, perguntas deste género. Gravaram a chamada e claro depois estiveram a gozar comigo [risos].

Alexandre Guedes (à esquerda) festeja um dos dois golos que marcou ao lado de Vítor Gomes
Carlos Rodrigues
O Ulisses foi embora e na época seguinte, chegou o Ivo Vieira…
O Ivo Vieira apanhei-o em todo o lado [risos]
Fale-nos um pouco do Ivo Vieira e dessa época.
Foi o ano que subimos de divisão, ele acabou por ser despedido não sabemos bem porquê, mas ele era uma pessoa muito divertida e gostava de ver os jogadores contentes. Gosta de conviver com os jogadores e brincar com eles. Gostei bastante de ter trabalhado com o Ivo Vieira. Mas como dizia, ele acabou por ser despedido e veio o José Mota.
Alterou muita coisa?
Não, quando o José Mota chegou nós já estávamos numa posição mais ou menos confortável para poder subir de divisão. Por isso deu continuidade àquilo que o Ivo Vieira estava a fazer. Já tínhamos feito mais de 70% dos jogos e não podia chegar e mudar tudo de uma vez.
Recorda-se da festa da subida?
Fomos jogar ao União da Madeira e quando chegamos ao aeroporto do Porto parecia que tínhamos ganhado a Liga dos Campeões. Foi uma festa enorme. Foi um momento especial, mas sempre com bastante juízo, foi mais festejar e estar com os adeptos, do que outra coisa.
Notou muita diferença da II para a I Liga?
Nota-se sempre bastante, há muito mais qualidade, deixa de haver tanto jogo físico e existe mais jogo táctico, há mais espaços, no momento da decisão nota-se muito.
Iniciaram o percurso na I Liga com Ricardo Soares. Gostou dele?
Bastante, tinha métodos bastantes diferentes de qualquer outro treinador que eu tinha tido, gostava muito de ter bola, de fazer finalizações, de preparar bem a equipa para os jogos em termos defensivos e ofensivos. Acima de tudo dava prioridade à qualidade do passe. Mas coisas acabaram por não correr muito bem e também foi embora.
E veio Lito Vidigal.
Ele veio para matar o resto [risos]. Era só físico, praticamente só treino físico e com as suas ideias assim um bocado malucas.
Como assim?
Uma vez nós íamos jogar com o FC Porto em casa, estávamos a aquecer fora do campo, chovia, estavam os senhores a tratar da relva e ele chegou ao pé deles: "Não, não, não, amanhã vamos ganhar" e começou a esburacar o campo todo [risos], a estragar a relva. Mas funcionou, no dia seguinte empatamos com o FC Porto, em casa. Deu resultado [risos].
Os treinos dele, muito físicos, causaram um grande choque na equipa?
Ele dava um treino muito forte, mas também gostava de dar folgas muito largas. Tínhamos um plantel já com bastante experiência, Paulo Machado, Vítor Gomes, Nelson Lenho, Quim, e ele também não podia chegar ali e fazer o que queria, então, quando tocava às folgas, ele dizia assim antes dos jogos: "Nós temos seis dias até ao próximo jogo, se ganharem quantos dias de folga querem?". Havia uns que diziam, quatro dias, outros três dias e ele: "Então se ganharmos dou-vos três dias". Pronto e íamos todos contentes. Quando chegávamos, ele: "Agora vão ter três dias bi-diários" [risos]. Eram treinos piores, o de tarde ainda conseguia ser pior do que o da manhã. Era correr, correr, correr.

Com a Taça de Portugal que conquistou em 2018
Gualter Fatia
Entretanto, voltou José Mota. Como foi esse regresso?
Muitos dos jogadores já tinham passado por ele no Leixões, no Paços de Ferreira, em vários clubes e acabou por ser engraçado, até porque ele também é uma pessoa muito divertida. Foi tranquilo.
Nesse ano conseguem a manutenção e logo a seguir conquistam a Taça de Portugal, marcada pelos seus dois golos frente a um Sporting que tinha acabado de viver a invasão de adeptos à Academia, em Alcochete. Marcar ao Sporting deu-lhe um gozo particular por ser o clube onde se formou, mas não conseguiu impor-se?
Não. Foram duas oportunidades que apareceram e que aproveitei. Não teve nada a ver com rancor ou algo parecido, até porque sabíamos que o Sporting tinha passado por aquele ataque à Academia, acabámos por aproveitar.
O José Mota falou com vocês sobre essa oportunidade de aproveitar um Sporting fragilizado?
Não falou muito. Para a imprensa ele falou bastante, disse que não davam o merecido valor ao D. Aves por chegar à final, mas para nós ele não passava isso, para nós ele dizia: "As finais não se jogam, ganham-se". Fomos para aquela final para tentar ganhar e as coisas acabaram por correr bem.
Sentiu fragilidade no Sporting?
Sim. Quando eles foram para o jogo sentia-se que estavam fragilizados, mas com o decorrer do jogo, uma pessoa que joga futebol acaba por esquecer um pouco o resto. Eles tiveram oportunidade também de não ir à final da Taça. Foi mérito nosso termos ganhado a Taça porque eles tinham um plantel bem forte. E estavam a jogar praticamente em casa porque a maioria da lotação do estádio do Jamor era sportinguista.
Quando marcou o primeiro golo sentiu algo diferente por ser ao Sporting?
Não. O diferente era por ser uma final da Taça. Acho que só caí em mim passados três dias da final, porque houve muita emoção, muita alegria durante o jogo, depois do jogo, no dia a seguir, só passados dois, três dias é que pensei: "Fogo, ganhei uma Taça de Portugal, marquei dois golos". Foi uma coisa fora do normal.
Como o José Mota incentivou-vos no intervalo?
Antes do jogo disse para irmos para dentro de campo e darmos o nosso melhor, relembrou-nos que tínhamos garantido a manutenção duas semanas antes e que foi algo inédito e pediu-nos para darmos o máximo dentro de campo. No intervalo ele fez alguns pequenos ajustes e disse para continuarmos, que faltavam 45 minutos para acabar e para fazermos história.
Após o jogo não se dirigiu a si em particular?
No final, estávamos todos tão fora de nós que nem me lembro de muitas das coisas que se passaram, porque parece que levamos um choque. Sei que passado dois dias ele falou comigo e perguntou-me se eu me lembrava do que me tinha dito quando cheguei ao clube. Ele disse-me: "Continua a trabalhar que tu vais conseguir chegar lá". Foram coisas desse género que falámos.
Houve alguma mensagem especial que o tenha marcado mais após ter feito os dois golos e ter ganhado a Taça?
Chegaram muitas, mas houve uma, do Aurélio Pereira, a dar-me os parabéns, que me marcou bastante porque na Academia do Sporting ele era uma pessoa que ajudava bastante os jogadores mais novos. Muitas vezes falava connosco. Foi uma mensagem que me tocou.

Com a taça e a mulher, Jessica
D.R.
Quando ganhou a Taça já sabia que ia para o V. Guimarães?
Não. Ainda comecei a fazer a pré-época no D. Aves e só a meio da pré-época é que surgiu a hipótese de ir para o V. Guimarães. Na altura tinha o interesse do SC Braga e o V. Guimarães, só que o Sporting tinha colocado uma cláusula na rescisão em que durante cinco anos não podia representar o FC Porto, o Benfica e o SC Braga, portanto, o SC Braga estava fora de questão. Também vi que o treinador do V. Guimarães era o Luís Castro, que estava a fazer uma equipa nova com jogadores que eu já conhecia e acabei por gostar bastante do projeto.
Foi viver para Guimarães?
Não. Quando ainda estava no D. Aves mudei-me para a minha terra, para Arcozelo e continuei a viver lá.
O Luís Castro correspondeu às suas expectativas?
Foi um treinador que me marcou bastante pela sua postura, pela compreensão do jogo, em todos os sentidos. Não estava à espera dos métodos de treino dele, pensava que eram mais rígidos e eram treinos excelentes, curtos, intensos, sempre com intenções de baliza, bastante posse de bola. Adorei. Ficamos em 5º lugar, fomos às competições europeias. Estreei-me nas pré-eliminatórias, não cheguei a jogar a fase de grupos.
E falhou um golo de baliza aberta ao D. Aves nessa temporada…
São coisas que acontecem, não estava à espera daquela bola e quando bati nela, bati mal. Acabei por falhar, acontece.
Foi muito visado pelos adeptos?
É normal nós jogadores sermos criticados por tudo e por todos. Da bancada houve logo coisas do género: "Fizeste de propósito. Volta para o Aves". Mas o que querem que eu faça? Falhei, falhei. Acontece. Temos de ser fortes. Jogar em Guimarães é isso, é pressão, e isso também ajuda-nos a crescer.

O avançado começou a jogar no V. Guimarães em 2018/19
Gualter Fatia
Iniciou a época seguinte com o Ivo Vieira.
Sim. Há muitas pessoas que dizem que ele deixou de me pôr a jogar. Mas isso é uma história complicada porque na altura fomos avisados de que se fossemos para a Liga Europa poderia haver bastantes reforços e acabaram por trazê-los quando nos qualificamos para a Liga Europa. Trouxeram o Bruno Duarte e o Leo Bonatini, que vinha do Wolverhampton, por isso, claro que iam jogar. Não sei se houve pressões por parte da direção sobre o treinador, não sei, mas acabei por não jogar tanto. Fiz dois jogos para o campeonato, marquei um golo ao Aves [risos], mas acabei por perder espaço, não fui inscrito para a Liga Europa. Eu e o João Carlos Teixeira. Ficou ali um ambiente um bocado pesado e acabei por sair. Estava saturado de não jogar.
O não jogar tinha a ver apenas com opções técnicas ou com outras coisas?
Nunca tive problemas com ninguém, sempre trabalhei o máximo, sempre respeitei toda a gente. Na altura também chegou um diretor-desportivo novo e, como todos, querem mostrar serviço, contratou bastantes jogadores, um deles o Bonatini. Foi uma aposta grande, e ele tinha de jogar. Mas para ele jogar tinham de sair outros. Como era avançado também... Acontece no futebol.
Quando se fartou da situação deu alguma indicação especial ao seu empresário?
Disse-lhe que não ia ser opção aquela época e que o melhor era arranjarmos alternativa. Estive para sair, antes do período de transferências fechar, para o Almería, de Espanha. Mas foi tudo em cima da hora, no último dia de transferências, já era tarde, não estava nada definido e acabou por não se concretizar. Passados cinco meses surgiu a oportunidade de ir para o Japão e vim para o Japão.