Perfil

A casa às costas

“O Silas deu hipótese de ir para casa, tirar uns dias. Quem anda nisto sabe que é irreal. Queria que aceitasse para riscar-me por completo”

Aos 27 anos, Nuno Tomás está longe de ter tido uma carreira brilhante, mas representa muito daquilo que é a realidade do futebol português. Sente-se a desilusão quando fala dos meandros do futebol, e a vontade em “arrumar” a vida, financeiramente falando, para poder dar-lhe um novo rumo. Ainda assim, o seu futebol chegou ao CSKA da Bulgária e à Finlândia. Para já, diz-se sentir bem na B SAD, mas não descarta a hipótese de voltar a emigrar

Alexandra Simões de Abreu

TIAGO MIRANDA

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Quais foram as primeiras sensações quando aterrou em Sofia, na Bulgária, para representar o CSKA?
Antes disso, tenho de contar que quem estava para ir para o CSKA não era eu. O filho do presidente do CSKA veio a Portugal à procura de outro central que jogava no Belenenses, o Sasso, que está agora no Boavista. O Sasso no início disse querer ir, mas numa reunião com eles disse que afinal já não queria. É aí que a ProEleven intervém e diz: “Se é só para três meses, se estiverem interessados, temos aqui um jogador, que nem está a jogar”. Eles interessaram-se e daí eu ter tão pouco tempo para decidir. Entretanto, viajei logo com o filho do presidente e com a namorada dele e quando chegámos ao aeroporto de Sofia, veio um autocarro onde só entrei eu, ele e a namorada. Os outros passageiros tiveram de esperar por outro autocarro. Foi um bocado à filme. Saímos por uma porta completamente diferente, havia vários seguranças, já era de noite, estava imenso frio, nevava, só estávamos os três e de repente apareceram um ou dois jipes grandes. Confesso que duvidei se estava mesmo num clube ou se me ia acontecer alguma coisa [risos]. Mas foi tudo tranquilo, deixaram-me no hotel e explicaram-me como ia ser dia seguinte.

Ficou surpreendido com o que encontrou no clube?
Fui bem recebido, estavam lá dois portugueses, um deles o Rúben Pinto que jogou no Belenenses e não me era desconhecido, mais três ou quatro brasileiros. Os búlgaros são boas pessoas, mas não são de fazer muita festa, estão na deles, falam com a pessoa que está ao lado. Os africanos também eram cinco estrelas, falavam inglês, metiam música no balneário. O ambiente não era muito diferente do nosso, embora, ao mesmo tempo, fosse, porque tem muitas pessoas de origens diferentes. Em Portugal cheguei a apanhar um plantel só de portugueses.

Como era o seu inglês?
Já dava para safar. Com as pessoas mais velhas de lá é que era mais complicado porque o roupeiro, por exemplo, não falava nada de inglês. Se me faltava alguma peça de roupa para treinar era difícil explicar sem ser por gestos. A língua é muito complicada, fui aprendendo algumas palavras que me ajudassem no dia a dia, mas era complicado.

Viveu sempre no hotel?
Não, um mês depois arranjam-me uma casa num condomínio onde moravam praticamente todos os jogadores estrangeiros. Era um T4, com um corredor enorme, chão aquecido [risos]. Eles perguntaram se tinha família para ir, disse-lhes que poderia ter visitas e que por isso precisava de mais um quarto. Mas como já era no fim da época, só havia essa casa enorme, vazia.

Nuno Tomás chegou ao CSKA na época 2018/19

Nuno Tomás chegou ao CSKA na época 2018/19

D.R.

Que tal a qualidade de vida na Bulgária?
Sófia era uma cidade completamente diferente de Lisboa, as minhas possibilidades também eram diferentes das que tinha aqui. Lá é tudo muito mais barato e ganhamos mais dinheiro, por isso a qualidade de vida era muito melhor. Mas percebi que, em Portugal, estava na minha zona de conforto, saía dos treinos e ia ter com os meus amigos, ou seja, não sabia o que realmente era ser jogador, na parte das responsabilidades, porque ali senti um peso em cima de mim, a necessidade de provar que faço a diferença, porque sou estrangeiro, não estou no meu país, nem estou no meu clube. Senti isso, mas adorei a sensação, gostava da casa, do clube, dos colegas, da responsabilidade que existia no clube, o CSKA é o mais histórico da Bulgária, foi das melhores sensações que tive.

Um futebol muito diferente do português?
Não. Um bocadinho mais duro, com menos qualidade, mas as principais cinco ou seis equipas são muito boas.

O que fazia nos tempos livres?
Passava grande parte do dia em casa. Treinávamos de manhã, o Rúben e o Tiago [Rodrigues] tinham lá as mulheres e os filhos, íamos almoçar com elas e depois ia às compras ou ia para casa, via séries e jogava. Jogávamos PlayStation entre os três portugueses que lá estávamos.

O que aconteceu quando terminaram os três meses de empréstimo?
Voltei para Portugal, tranquilo, tinha feito uns bons três meses lá, mas tinha contrato com o Belenenses. Sabia que o CSKA estava interessado em ficar comigo, passados uns dias os meus empresários ligaram-me a dizer que eles tinham uma proposta para três anos.

As condições eram melhores?
Muito melhores. Já podia pensar em comprar uma casa, coisa que até aí não acontecia. Quando soube dos valores e dos anos de contrato, a primeira coisa que me veio à cabeça foi “vou poder dar um passo muito grande na minha vida”.

Com a camisola do CSKA de Sofia

Com a camisola do CSKA de Sofia

D.R.

Quando regressou ao CSKA, ainda lá estava o Mitov como treinador?
Sim, mas ele saiu logo e veio um senhor já de alguma idade [Ljupko Petrovic], que tinha sido uma pessoa importante no clube. Ele uma vez fez uma coisa num treino que ficámos todos a olhar para ele.

O quê? Conte.
Estávamos a meio do treino e começamos a ouvir um telemóvel a tocar. Ele meteu a mão ao bolso e, de repente, quando olhamos, ele estava numa videochamada com a filha e provavelmente com algum neto, descontraidamente, no meio do campo, nem se afastou, e nós ali especados a olhar para ele, incrédulos com o que estava a acontecer [risos].

Essa época, em que já é jogador do CSKA, não lhe correu muito bem, pois não?
Joguei os primeiros três, quatro meses, e depois, com essa transição de treinador e com a chegada de alguns reforços, fui perdendo espaço. E voltei a cometer o mesmo erro, de dar razão às pessoas com a minha forma de reagir, mas como estava lá fora, sozinho, não tinha muita gente em quem apoiar-me ou a quem pudesse perguntar o que podia fazer melhor, acabei até por ser muito mais explosivo.

Explosivo como?
Falava muito mais nos treinos, chateava-me muito facilmente, qualquer coisinha fazia-me chatear nos treinos. Eu já tenho um semblante pesado, sou uma pessoa com uma postura pesada e quando estou chateado sou um livro aberto, vê-se logo e não é uma coisa que ajude o grupo, a verdade é esta. Como treinador, se calhar também não gostaria de ter alguém que transmitisse essa energia. Lutei muito para contrariar essa minha forma de ser, mas fui perdendo espaço. Vindo de fora, como é óbvio, temos de acrescentar, e quando as coisas correm mal é fácil pôr as culpas em quem vem de fora, em quem devia acrescentar. Mas enquanto colega sempre fui apoiado, sempre fui bem tratado.

O que achou das arbitragens na Bulgária?
Não diferem muito daqui, apesar de sentir que tinha muito mais hipótese de conversar com os árbitros. Aqui não há tanta abertura para isso.

E os adeptos?
São muito fervorosos, para o bem e para o mal. A maioria dos estrangeiros, éramos um pouco postos em causa quando as coisas não corriam bem.

Só da parte dos adeptos?
Sim, às vezes no clube também, um ou outro dirigente.

Nuno (ao centro) em ação durante um jogo pelo CSKA

Nuno (ao centro) em ação durante um jogo pelo CSKA

D.R.

Tem alguma história para contar da Bulgária?
Tenho uma com o Rúben Pinto. Íamos a sair do estádio, eu, ele, a mulher dele, o filho e um amigo meu que estava lá de visita. Era o Rúben quem conduzia. Quando saímos do estádio temos de entrar numa via com duas faixas para cada lado, mas não podemos virar à esquerda. Veio um primeiro carro que parou, nós entrámos e o carro que vinha na faixa do lado não parou e bateu-nos. A culpa era nossa à mesma porque tínhamos um STOP e porque estávamos a entrar. Só que lá é obrigatório ter dois seguros, um para o nosso carro e outro para o carro dos outros, mas o Rúben não sabia. Foi uma confusão, a senhora quando percebeu sermos estrangeiros ficou meio-assustada, não falava inglês.

O que fizeram?
O Rúben quis encostar e resolver a situação, ela não quis, chamou a polícia. A polícia percebeu que não tínhamos seguro para o outro carro e que o seguro dele também já tinha caducado. Em Portugal era impossível escapar disto, seria um problema enorme para o Rúben, mas o polícia era fã do clube e ligou para uma seguradora, conseguiu fazer um seguro em 10 minutos para o Rúben e no fim tirou uma foto connosco [risos]. As minhas histórias na Bulgária metem sempre policia [risos].

Conte mais.
Tive dois grupos de amigos meus a visitar-me em alturas diferentes, e eu deixava-lhes o meu carro para andarem à vontade. Quando cheguei e comecei a andar de carro com o Tiago e com o Rúben, reparei que aquilo era uma confusão, ninguém parava nos STOP, os vermelhos eram como se fossem amarelos, coisas assim. Expliquei aos meus amigos que se tivessem algum problema com a polícia, tinham de começar logo a falar inglês, porque a maioria deles não falava inglês e acaba por dizer “pode seguir”. Há uma altura em que os meus amigos foram dar uma volta um bocadinho mais longe de Sófia, fazem uma ultrapassagem, a polícia vinha atrás mandou encostá-los. Os meus amigos: “Sorry, do you speak english?”. Mas aquele polícia sabia inglês e levou-os para a esquadra [risos].

O que tinham feito de mal?
Nunca percebemos. O meu amigo que ia a conduzir ficou uma ou duas horas dentro da esquadra, numa cela, e os outros já estavam a pensar que ele ia ficar ali, porque ninguém falava inglês com eles. Os policias falavam búlgaro entre eles. Um desses meus amigos fica hiper nervoso em situações destas, quase que lhe dava uma coisa [risos]. No fim de contas, o polícia disse-lhe que tinha de pagar uma multa e perguntou-lhe que dinheiro é que ele tinha na carteira. Ele tinha 10€, e o polícia, pronto, isso chega. Deu os 10€ à polícia e foi-se embora [risos].

Não fez a segunda época até ao fim. Porquê?
Fiz de junho a dezembro. Em dezembro sugiram algumas notícias num jornal de lá que eu não contava, que não tinha espaço na equipa, precisava ser emprestado. Fiz um print dessa notícia e enviei aos meus empresários. Eles disseram-me que falaram com o filho do presidente e que ele disse que eles contavam comigo, não havia problema nenhum. Tivemos a paragem de dezembro, devido à neve, e depois voltámos para fazer a pré-época na Turquia. Ao fim de 10 dias o diretor-desportivo chamou-me à receção e disse-me: “Afinal, tens de procurar clube que não contamos contigo”.

Como foi parar à Finlândia?
Voltámos da Turquia, depois íamos para Espanha mais dez, onze dias. O meu empresário perguntou-me se queria ficar em Sófia a treinar sozinho ou voltar para Portugal porque eles já nem sequer tinham comprado bilhete para eu ir com eles para Espanha. Voltei a Portugal. A minha expetativa era que em uma, duas semanas tinha a minha vida resolvida. Vim para cá em janeiro e fiquei três meses a treinar sozinho. Nunca me tinha acontecido. Ao fim de um mês estava desesperado. Fui treinando com um PT, olhava para o telefone, os dias a passar, não surgia nada e eles não me deixavam voltar para lá, apesar de eu ainda ter contrato. A lógica seria, enquanto não arranjava nada, ficar com eles, mas nem me deram essa hipótese.

Continuaram a pagar-lhe?
Sim. Atrasavam, mas continuavam a pagar. Passados três meses já não havia quase mercados abertos, até que me ligaram a dizer que tinha uma hipótese no KuPS, da Finlândia. Um país de que não sabia absolutamente nada, os meus empresários nunca tinham posto um jogador na Finlândia, eu nunca tinha visto um jogo deles, nada, não conhecia ninguém. Aceitei ouvir a proposta, mas com os dois pés atrás. Acabei por aceitar porque já não havia mercados abertos.

Depois da Búlgaria, Nuno Tomás foi para o KuPs da Finlândia

Depois da Búlgaria, Nuno Tomás foi para o KuPs da Finlândia

D.R.

Como foi quando chegou à Finlândia?
Muito complicado. Esse foi o ano mais complicado da minha carreira. Quando cheguei estava um frio horrível, pior que na Bulgária, nevava, as pessoas eram completamente diferentes de nós, super frias, não há nenhum tipo de interação… Mas, atenção, é um país espetacular para viver e trabalhar. Só que, em termos de futebol e daquilo a que estava habituado, é completamente o oposto.

Como assim?
Lá o futebol não é o desporto rei e isso tem muita importância em tudo o que envolve o futebol. Por exemplo, para os adeptos o jogo é apenas um motivo para irem beber uns copos. Claro que se ganhássemos eles ficavam contentes, mas muitas vezes eu olhava para as bancadas ou para as laterais do campo e eles estavam de costas para o jogo, na conversa, com os copos. E a noção do que é preciso para ser um clube profissional e competitivo era muito distante do que temos em Portugal, até numa II Liga ou Campeonato de Portugal. Enquanto na Bulgária havia uma coisinha ou outra que tinha de ser melhorada e era má vontade deles, não queriam melhorar, na Finlândia eles não sabiam que era preciso mais isto ou melhorar aquilo.

Pode dar mais exemplos dessas lacunas?
A forma como lavam os equipamentos, eles não tinham noção que não se pode lavar trinta e tal equipamentos todos juntos numa máquina e pô-los a secar numa sala fechada; como é óbvio no dia a seguir não vão estar em condições. Outra, o facto de acharem normal um jogador no dia do jogo ir de bicicleta para o jogo, no meio da neve, sujeito a cair e não poder jogar; chegaram a pedir a um jogador que rebentou um cruzado num treino e que não conseguia praticamente andar, para ir à consulta no médico, de bicicleta, sozinho, sendo que nem falava inglês. São coisas que não me fazem sentido.

Vivia onde e com quem?
Estive uma ou duas semanas num hotel e depois arranjaram-me um apartamento. Estava sozinho. Tudo muito mais caro… Mas não podia ficar parado, tive de ir.

Chegou no ano da pandemia, certo?
Sim, quando cheguei em fevereiro a equipa já tinha ficado toda de rastos, com febre, uma semana ou duas antes, mas não sabiam ainda da pandemia. Em março, quando o campeonato devia começar é quando temos de ficar um mês inteiro em casa por cauda da pandemia.

Ficou sempre sozinho?
Sim.

O que fazia?
Eles mandaram-nos um plano, pediram-nos que treinássemos o máximo possível dentro de casa e que a parte cardio, a corrida, fizéssemos na rua. Mas cada vez que eu abria a janela nevava torrencialmente, era mesmo impossível e eu não conhecia a cidade, tinha acabado de chegar àquela casa e acabei por fechar-me o mês inteiro em casa. Já estava a dar em maluco, foi mesmo o sítio onde me senti menos feliz.

O futebol também muito fraco?
Surpreendeu-me pela positiva. A minha equipa tinha sido campeã no ano anterior, coisa que já não acontecia há 40 anos. Normalmente a equipa campeã era da capital, HJK, uma boa equipa, que joga bom futebol, e depois havia mais duas, três equipas boas. Havia também uma equipa numa ilha, que tínhamos de ir de barco ou de avião, que era chatinha, não era uma equipa tremenda, mas eram complicados. Surpreendeu-me, esperava muito pouco daquele campeonato, pelos vídeos que via, por só jogarem em sintético.

Foi difícil adaptar-se ao sintético?
Não, até então nunca tive problemas físicos. Tive umas coisinhas lá, mas nada de grave. Depois, quando às vezes tínhamos de jogar em relva, era complicado porque até aos 20, 30 minutos parecia que estava muito mais pesado, não tinha força, porque a exigência da relva é completamente diferente. De resto, gostei, porque o futebol é muito mais fluído, não há buracos no campo.

Nuno Tomás durante um jogo pelo KuPs da Finlândia

Nuno Tomás durante um jogo pelo KuPs da Finlândia

D.R.

Tinha assinado só até ao final dessa época, certo?
Sim, que seria em outubro, com a covid passou a ser novembro. Mas tive umas chatices pelo meio. A única coisa que pedi foi que, se até 23 de agosto surgisse alguma coisa do meu interesse, que me deixassem ir, não me prendessem, e eles OK. Surgiu a possibilidade de vir para o Casa Pia, que estava na II Liga. Eles complicaram-me muito as coisas. Tiveram de tratar de uns papéis e passou a data. Quando senti a possibilidade de vir para o Casa Pia, estava fartíssimo daquilo e disse-lhes: “Fiz tudo o que podia aqui, joguei a defesa esquerdo, nem sequer joguei na minha posição, só vos peço agora que me deixem voltar ao meu país”. Cortaram-me as pernas, completamente. Depois pediram-me para fazer mais um mês, mas aí disse-lhes que só ficava até ao último dia de contrato, nem mais um dia. E pronto, em outubro marquei viagem e vim embora.

Veio sem nada?
Vim, mas ainda tinha contrato com CSKA, porque estava emprestado. Voltei em outubro a pensar que em dezembro iria conseguir alguma coisa. Não consegui nada, o CSKA voltou a não me querer lá e estive de outubro até agosto a treinar sozinho. Já tinha feito isso uma vez, dois ou três meses, mas agora dez meses. Já pensava em tudo, que se calhar tinha de deixar de jogar, que ninguém ia querer-me.

Se tivesse deixado de jogar o que ia fazer?
Não fazia ideia. Provavelmente não deixei porque não tinha ainda nada definido. Estive a treinar com um PT, depois veio outra vez aquela fase em que os ginásios fecharam. Tive ali uma fase em que não treinei tanto, depois voltei a treinar e, nessa altura já estava por tudo. Quando os meus empresários ligaram a dizer que tinha surgido a oportunidade do Académico de Viseu, pedi uns dias para pensar, mas aceitei, porque já tinha esperado tanto tempo por tanta coisa que só queria era jogar.

Preferia ter ido para fora novamente?
Sim. Claro que adorei ficar em Portugal e adorei estar lá em cima, sou sincero, mas se tivesse ido para fora provavelmente ia ganhar mais dinheiro.

Não surgiu nada do estrangeiro?
O que surgiu não era nada de especial, tinha de ser algo me que transmitisse confiança e não do género da Finlândia. Tudo o que era desse género eu excluía logo. Em fevereiro, estava parado há cinco meses, houve uma possibilidade de ir para a Turquia, para um clube que pagava rios de dinheiro. Mas já percebia que estas conversas são da boca para fora e que as pessoas que trabalham nesses mercados não lhes interessa qual é o jogador que vai.

O que quer dizer com isso?
Chegámos a uma altura em que se não rendermos passamos a ser só mais um. Ou seja, o clube não me vem buscar a mim, Nuno Tomás, o clube quer um central e eu vou no meio de um pacote de 10 centrais que são postos em cima da mesa e “escolha um”, porque qualquer que seja escolhido, o empresário vai sempre ganhar dinheiro. Foi quando percebi que me estava a tornar mais um.

Mas essa proposta da Turquia surgiu através do seu empresário, certo?
Sim. Ele disse-me: “Arruma as ruas coisas porque isto é de um dia para o outro” e eu não meti nem uma t-shirt na mala, porque já sabia que passa um, dois, e ao fim do terceiro dia quando pergunto: “Como está a situação?”; “Caiu, meteram outra pessoa. Desculpa lá, é uma chatice arrumar a mala e não dar em nada, mas…”; “Não tem problema”. Eu percebi logo, não fazia sentido estar cinco meses parado e surgir-me uma coisa de um clube da Turquia que pagava bem, era bom demais para ser verdade.

No regresso a Portugal, Nuno Tomás jogou no Académico de Viseu, em 2021/22

No regresso a Portugal, Nuno Tomás jogou no Académico de Viseu, em 2021/22

Pedro Fontes

Foi sozinho para Viseu?
Sim. Já tinha conhecido a Marta com quem estou agora. Aliás, já a conhecia há muitos anos, mas não tinha havido nada, nessa altura voltámos a conversar, mas fui para cima sozinho. Só em novembro é que as coisas ficaram mais sérias.

Já vivem juntos?
Não vivemos juntos porque o meu irmão vive comigo e ela é de Lisboa, tem os pais dela e para já não faz sentido sair de casa.

Como foi voltar a Portugal e à II Liga?
Foi bom, a II Liga era tudo o que diziam ser, muito difícil, dura, muitas vezes mais complicada do que a I Liga, a tal falta de espaço e de tempo para pensar nos treinos e nos jogos. Mas foi bom.

Ressentiu-se por estar parado tanto tempo?
Bastante, porque não tive pré-época e após a primeira semana de treinos joguei 45 minutos, entrei ao intervalo. Era suposto gerirem-me aos poucos, mas não havia tempo e tive de ir logo lá para dentro no primeiro jogo e no segundo fui titular. Tinha duas semanas de treino. Mas foi bom, senti-me bem, as pessoas foram super acolhedoras. Adorei a cidade, só peca porque é muito longe de Lisboa [risos].

Assinou por quanto tempo?
Dois anos. Ponderei assinar só um, só que tinha de rescindir com o CSKA e, entre contas e mais contas que tive de fazer, cheguei à conclusão que valia a pena assinar dois anos, pelo menos em termos financeiros ficava salvaguardado.

Mas não ficou os dois anos. Porquê?
Correu tudo bem, jogava normalmente, depois trocaram de treinador, e no primeiro jogo que faço com o novo treinador, lesionei-me no pé, num carrinho em que tiro uma bola quase em cima da linha. O adversário chutou-me o pé e parecia ser uma entorse normalíssima, mas quando me levantei não conseguia andar. Fiz mil e um exames que não detetaram o que eu tinha. Umas pessoas diziam-me uma coisa e outras diziam-me outra, e eu andava sempre cheio de dores. Falaram-me de uma fissura no osso, outros médicos disseram que eu tinha um bocadinho de osso a mais no pé, que naquele momento estava inflamado; deram-me várias explicações; podia ser tudo, como podia ser nenhuma delas, a verdade é que tinha sempre dores. No primeiro mês só conseguia andar de muletas, no segundo mês houve necessidade outra vez de apressar as coisas.

Voltou a jogar sem estar em condições?
Eu sentia-me bem, achava eu, mas lá dentro não foi bem assim. Não estávamos numa fase favorável, perdíamos mais do que ganhávamos, estávamos lá em baixo na tabela, e tive de voltar, fiz um bom primeiro jogo, o segundo não correu tão bem e a partir daí fiquei no banco ou só entrava mesmo no fim. Comecei a perceber que a minha vida provavelmente não passava por ali porque o treinador estava a fazer um bom trabalho, naturalmente iria continuar. Fui deixando de jogar com ele, optou por outros, e no fim do ano ligou-me: “Agradeço tudo, mas não conto contigo. A questão do contrato já não me diz respeito, diz respeito ao clube”.

Chegaram a acordo?
Andei uns tempinhos a perceber o que ia fazer, já tinha ouvido que havia interesse da parte da B SAD. Visto de fora, eu não achava um projeto super atrativo em termos de futebol, mas, por outro lado, também queria ficar na minha casa, estar perto dos meus amigos e continuava na II Liga, podia ser que pudesse jogar mais novamente. Adiou-se muito, quando acabaram por decidir que me queriam mesmo, cheguei a acordo também com o Académico para sair.

Nuno Tomás assinou pela B SAD em 2022/23

Nuno Tomás assinou pela B SAD em 2022/23

Gualter Fatia

Como está a correr na B SAD?
Em termos individuais, bem. Tirando um ou outro problema físico, mas voltei a jogar regularmente, apesar de não ter feito a pré-época. Quando era mais jovem, treinava mal ou bem, sentia-me sempre bem, agora se não fizer a pré-época, vou pagar a fatura mais tarde.

Que tal o Nandinho como treinador?
Ainda estou a tentar perceber, mas no geral tenho uma boa impressão.

Disse há pouco que o seu irmão foi viver consigo. Desde quando e porquê?
Desde que voltei da Finlândia. Ele morava com a madrinha dele e com os pais dela, porque o meu pai deixou-o. Felizmente para mim, porque o meu irmão era a última amarra que o meu pai tinha comigo, o único pretexto para falar comigo.

O seu pai deixou o seu irmão porquê?
Desde que a minha mãe faleceu que ele se aproveitou muito de mim nas questões monetárias, o que até faria todo o sentido se as coisas aparecessem feitas, mas a partir do momento que percebi que era dinheiro para tudo, menos para o que me pedia, cortei. Cortei e falei diretamente com o eu irmão: “Tudo o que precisares é comigo, não é com ele, mas não levantes ondas, porque mais tarde ou mais cedo fazes 18 anos e, nessa altura, tudo se resolve”. Houve um momento em que o meu pai disse-me: “Eu não tenho capacidade para manter esta casa e o teu irmão. Preciso da tua ajuda”: “Já ajudei muitas vezes e já fui enganado muitas vezes, não vou ajudar mais”; “Então eu vou à minha vida e o teu irmão vai para outro sítio qualquer”. Na altura, como eu estava fora, o meu irmão foi viver com a madrinha. Está a trabalhar, é um bom miúdo, não nos damos lindamente, mas não há confusões, não é problemático. Somos só muito diferentes.

Assinou quanto tempo com o BSAD?
Um ano e, no caso de subirmos de divisão, fico mais um ano.

Tendo em conta a carreira que fez o que perspetiva para o futuro?
Sinceramente, se não tiver mais nada de competitivo e de interessante, em que possa até receber menos, mas disputar algo interessante e que tenha visibilidade, o meu futuro provavelmente não passará por Portugal.

Aceitaria jogar no Campeonato de Portugal?
O futebol está cada vez pior, cada vez se paga menos e há menos condições. Se ficar aqui e aceitar receber cada vez menos e com menos condições, não vou fazer mudança nenhuma. Portanto, provavelmente irei para fora, para países menos competitivos, mas onde possa juntar algum. Depois, dependendo do que conseguir juntar, há várias coisas que posso fazer e uma delas é estudar.

Em que área?
Sempre tive curiosidade por advocacia, mas dá um bocado de trabalho, portanto não sei.

Não se vê ligado ao futebol?
Não. Assim que terminar para mim, é um ponto final. Há muita coisa boa, mas também há muita coisa má.

O que é o pior para si?
As pessoas quererem vencer a todo o custo, não serem honestas, dizerem uma coisa na frente e fazerem o contrário nas costas, não gosto disso.

Quando é que se sentiu mais enganado?
No Belenenses, com o Silas, no meu segundo ano. Há uma fase em que ele me deu hipótese de ir para casa, tirar uns dias. Quem anda nisto, sabe que isso é irreal, isso não acontece no futebol. Se eu tivesse aceitado esses dias, se já estava riscado na altura, então depois nem valia a pena aparecer no clube. Não senti aquilo como se estivesse realmente preocupado comigo. Ele queria que eu aceitasse para riscar-me por completo. Senti que não foi bonito da parte dele. São estas coisas que não gosto.

O que se vê a fazer após terminar a carreira?
Vai depender muito do que conseguir juntar até ao final da carreira e do que acontecer pelo meio.

Quais são as alternativas que tem em cima da mesa, além de estudar?
Estudar vai sempre ser uma delas. Eu era bom nos estudos e tenho gosto, sei que vou safar-me bem porque sou competitivo e gosto de ser o melhor no que faço. Por outro lado, toda a gente sabe que quem tem imóveis, pode ter rendas, é sempre um seguro.

Esta época, em ação pela B SAD num jogo com o Moreirense

Esta época, em ação pela B SAD num jogo com o Moreirense

Gualter Fatia

Onde ganhou mais dinheiro?
Na Bulgária.

Investimentos, tem?
Só a minha casa.

Tem algum hóbi?
Jogar, independentemente da plataforma. Tem é de ser alguma coisa que me permita disputar com alguém alguma coisa e não sozinho.

Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Não sei se pode considerar-se uma extravagância, mas tendo em conta os preços dos combustíveis na altura, fazer 300 quilómetros de Viseu para Lisboa, no dia dos namorados, e voltar no mesmo dia. Dei-me ao luxo de gastar assim tanto dinheiro em combustível.

Tatuagens. Qual foi a primeira que fez?
A primeira foi uma estrela maori nas costas, mas agora tenho as costas todas completas, portanto tapei a primeira. Fiz com 17 anos. Pedi autorização à minha mãe e ela deixou-me fazer. Mas a mais importante é a data de falecimento da minha mãe, o pior dia por que passei. Depois é a inicial da minha mãe, o C, tenho o nome da minha avó tatuado também e tenho escrito família Felício, que é o nome de um rapaz que jogou comigo em Odivelas, que é como se fosse a minha segunda família. Ele era de uma família que felizmente tinha mais possibilidades que a minha e abriram-me a porta de casa deles para passar férias, para dormir em casa deles. Tudo isso vindo de alguém de Lisboa, com outro estilo de vida, mas com eles nunca senti essa diferença de extrato social.

É um homem de fé?
Não.

Superstições, tem ou teve?
Pisar duas vezes com o pé esquerdo antes de entrar em campo.

Como central, qual foi o adversário mais difícil que teve pela frente?
O Jonas, do Benfica.

Segue ou pratica outros desportos, para além do futebol?
Sigo e gosto muito de praticar Padel.

Qual o maior arrependimento que tem na carreira?
Não ter ficado calado e ter reagido da forma como reagi na Bulgária.

E frustração?
Quase todos os centrais que jogaram ao meu lado saíram para um Benfica, um Sporting, um clube grande, que conta muito a longo prazo numa carreira, ter formação num desses clubes. A minha maior frustração foi não ter mais cinco centímetros, porque durante seis anos ouvi sempre a mesma desculpa. Cheguei a ouvir que Sporting e Benfica estavam interessados, adoravam-me, mas que era baixo para a posição. Em termos de números no papel, isso importa para muita gente no futebol e a minha maior frustração é essa. Não é eu não ter os cinco centímetros, é as pessoas ligarem a esses números, porque dentro de campo os meus números são outros, mas pronto, compreendo.

Em Lisboa, na semana em que foi entrevistado para Tribuna

Em Lisboa, na semana em que foi entrevistado para Tribuna

TIAGO MIRANDA

Qual o clube de sonho onde gostava de ter jogado?
O AC Milan. Sempre sonhei jogar na Itália como defesa central. Seria uma experiência ótima, é um país que gostava muito de conhecer.

Tem ou teve alguma alcunha?
Ziza. Até é o nome que tenho na minha página pessoal do Instagram. Eu sou muito tipo aqueles avôs rabugentos, que com qualquer coisinha chateiam-se logo e gritam, e no CSKA havia um brasileiro que começou a chamar-me “Ziza”. Perguntei-lhe o que era e ele disse que no Brasil chamavam isso às pessoas que são rabugentas. Ele chamava-me sempre Ziza. Não há muita gente que chame, mas foi um nome que gostei. De resto, quando era miúdo, chamavam-me “ranhocas” porque eu andava sempre com o pingo no nariz.

Alguma regra no futebol que, se pudesse, mudava ou retirava?
Julgo que todo o diálogo feito nos auriculares dos árbitros, em todos os jogos, devia ser acessível ao público.

Que opinião tem do VAR?
É uma mistura de sentimentos, boa e má, mas mais boa. Sou muito pragmático, para mim um fora de jogo de um centímetro não faz qualquer diferença no lance, mas se a máquina diz que está fora de jogo eu aceito isso como fora de jogo, mesmo prejudicando-me. Mas é mau porque estraga o espetáculo, porque tira toda a emoção.

Qual a pessoa que mais influenciou a sua carreira?
Uma delas é o Bruno Pinheiro, a melhor pessoa a lidar comigo, e a outra, é o Pedro Guerreiro, que treina agora os sub-23 do Estoril. Foram duas pessoas que lidaram muito bem comigo e ajudaram-me.

As maiores amizades que fez no futebol?
Puxando a cassete atrás rapidamente, na Finlândia fui bastante amigo dos dois brasileiros e do português por razões óbvias, mas podia não ficar, mas fiquei, converso com os três. Na Bulgária, o Rúben e o Tiago e as respetivas mulheres fantásticos, se não fossem eles, tinha passado muito pior do que passei. Aqui no Belenenses, o Filipe Mendes, o guarda-redes, sou muito amigo dele. O João Vasco, que está no Varzim, o ano passado em Viseu ajudou-me bastante, é uma pessoa 10 estrelas.

O momento mais feliz na carreira?
O mais feliz é provavelmente o jogo que fizemos quando eu estava no Real Sport Clube, em que ganhamos 2-0 e subimos de divisão.